Em dezembro, Avatar chegará em Blu-ray em 3-D para quem comprar as novas TVs da Panasonic equipadas com a tecnologia (o longa em 3-D será vendido individualmente só em 2011). James Cameron diz, porém, que todo o material extra que tinha a oferecer já está neste pacote 2-D Avatar - Edição Estendida de Colecionador.
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Sem o 3-D imersivo do cinema, a sensação de profundidade evidentemente não é a mesma, mas as cores são mais realçadas no 2-D, que é menos escuro. No Blu-ray, enfim dá para atentar com calma para toda a pintura no dorso dos banshees, por exemplo. Quando não estava satisfeito com as cores, Cameron fazia o diretor de arte Yuri Bartoli pintar de novo, em cima de uma imagem já renderizada, de 190 megapixels, novas tonalidades em cada poro das criaturas de quatro asas.
Essa é uma das curiosidades que constam nos extras. Ambas as duas opções de box triplo, DVD e Blu-ray, trazem três versões do filme: os dois lançamentos no cinema e a versão estendida, com 16 minutos inéditos. Além do diferencial da alta resolução, o Blu-ray tem mais extras (o material do documentário Capturando Avatar, presente também no DVD, é melhor esmiuçado em vários pequenos curtas no Blu-ray). Como consolação, quem compra o box de DVD leva um quarto disco de brinde, um Blu-ray contendo a primeira versão de cinema.
E a primeira versão continua sendo o melhor Avatar - que muitos reclamam ter história batida, mas que consegue estabelecer um universo muito particular de forma concisa e dinâmica, jogando com referências do faroeste mais ancestral e da ficção científica mais futurista. O filme cresce na revisão.
Como frequentemente acontece, o corte que acrescenta minutos só devolve gordura que todo cineasta com bom olho sabe detectar e eliminar na montagem, como a cena que explica por que flutuam as montanhas de Pandora. Seja na edição especial de cinema (com 169 minutos) ou na edição estendida (177 min.), o que temos é um apanhado de cenas que podem encher os olhos - como a caçada aos sturmbeests - mas são quase sempre dispensáveis do ponto de vista da dramaturgia.
Uma exceção: a partir da versão de 169 minutos, Cameron incluiu a cena em que os Na'Vi revidam uma ofensiva dos terráqueos queimando um tanque e matando uma tropa. Essa cena tem para o diretor uma função muito clara - imaginar um cenário onde os humanos, à George Bush, declaram guerra alegando auto-defesa - mas, antes disso, ela serve para diminuir o maniqueísmo juvenil que pega em alguns momentos Avatar de assalto.
Percebe-se que, na primeira versão, os Na'Vi são mais vitimizados do que nas seguintes. Fica muito claro que Cameron queria fazer o filme girar por completo em torno de Jake Sully, e isso significa esvaziar tanto coadjuvantes quanto, paradoxalmente, os próprios Na'vi que dão sentido à existência de Jake (que, afinal, é o salvador dessa pátria desamparada). As cenas em que a Dra. Grace fala do trágico fim da sua escola em Pandora e a morte de Tsu'Tey (o rival de Jake pelo amor de Neytiri) só aparecem na edição estendida. Podem ser importantes num contexto, mas subentende-se que foram cortadas inicialmente porque não adicionam nada ao arco de Jake.
E esse arco tão crucial para Cameron tem diretrizes bem específicas. Jake precisa ver o seu avatar não como um meio, mas um fim. Sem o avatar, Jake não é ninguém, resumindo grosseiramente. Então é por isso que ele desperta da criogenia (numa câmara azul...) no começo do filme como se não tivesse um passado. Ter um passado significaria enxergar o avatar como um meio de resgatar anseios deixados para trás - e não como uma identidade nova conquistada para construir um futuro do zero.
Nesse sentido, o começo alternativo que está anexado à versão estendida mudaria significativamente a carga dramática do filme. Nele, vemos Jake na Terra, muito antes do sono criogênico, numa metrópole parecida com a Tóquio dos animês, sendo surrado por começar um briga de bar. A cena é muito boa, e a ambientação faz salivar quem torce por um encontro de Cameron com a cultura pop japonesa, mas ela traz ruídos ao renascimento puro de Jake que o diretor desenvolve ao longo do filme. O único peso que o militar carrega do passado, para preservar o impacto da imagem, devem ser as suas pernas paralisadas.
As cenas deletadas - 47 minutos de material que Cameron não finalizou porque ficaria caro - só fundamentam mais esse renascimento de Jake. A descoberta dos mistérios de Pandora está condicionada à experiência do avatar, então faz sentido descartar uma cena como aquela em que o fuzileiro paraplégico chega à base e quase é atacado por um stingbat, uma espécie de morcego-arraia. É como se as criaturas do planeta se tornassem visíveis só diante dos olhos do Jake Avatar.
Da mesma forma, ficamos sabendo no material deletado que outros humanos do laboratório do Dr. Patel se juntaram com seus avatares à batalha final, mas isso reduziria o heroísmo do protagonista. Paralelamente, as cenas em que Norm, o amigo bobão, interage com os Na'vi (ele deveria ser o contato com a raça se Jake não tivesse sido escolhido por Neytiri) são eliminadas. Aliás, Norm não era um loser completo: ele leva Michelle Rodriguez pra cama. Mas como a ideia é que o espectador cole em Jake e não se distraia, Cameron cortou o barato de Norm na versão final.
Outra cena deletada, bem longa, é a celebração Na'Vi após a caçada aos sturmbeests (a celebração está de fora da versão estendida, embora a caçada tenha entrado). Ali, Jake se embriaga com Tsu'tey e outros avatares dançam com a tribo. Cameron suprimiu todo esse trecho de comunhão, que tem quatro minutos e meio. No discurso ambientalista contra o capitalismo, o diretor parece ser o manifestante mais socialista, mas no filme (ou nos seus filmes), e nessa cena cortada em particular, fica muito claro que Cameron acredita na jornada do herói mais do que na coletividade. Aliás, são frequentes entre as cenas deletadas os rituais dos Na'Vi, como a iniciação psicotrópica de Jake com uma larva tóxica que o leva às alturas. Talvez fosse necessário não assustar o público médio com um retrato contundente assim do tribalismo...
A crença de Cameron no coletivo acabou reservada para um extra discutível, o documentário da sua passagem pelo Brasil, contra a construção da Hidrelétrica de Belo Monte. Aliás, de extras discutíveis os Blu-rays estão cheios, a começar pelo making-of duplicado (Capturando Avatar e os curtas que repetem parte do material) até o absurdo teatrinho da história de vida de um dos dublês de captura de movimento.
Por uma óbvia questão de segredo industrial, o cineasta abre o set para nós, mas não se aprofunda na explicação do seu revolucionário procedimento de filmagem. Somos apresentados às câmeras todas, mas momentos-chave, como a segunda montagem em que Cameron repassa sozinho num galpão as cenas com a câmera virtual às mãos, escolhendo planos como se estivesse num balé solo, permanecem um mistério mesmo depois de oito horas de extras.
Uma produção que levou tantos anos para se concretizar, e que alterou tantas certezas da indústria, merecia documentos menos protocolares e panorâmicos. Fica difícil saber se Cameron escondeu o jogo para lançamentos futuros... Em todo caso, a última cena deletada mostra Na'Vi grávidas, e Jake passa a mão na barriga de Neytiri enquanto sua voz em off diz que "a floresta vai se curar e novas vidas manterão a energia fluindo". Todo o pacote de extras de Avatar - Edição Estendida de Colecionador evita revelar demais a mágica do seu processo, mas entrega no final esse esboço de spoiler do que podemos esperar em Avatar 2 e 3.
Assista abaixo à cena das grávidas: