Filmes

Vídeo

John Carter | Omelete Entrevista Andrew Stanton

Diretor vencedor do Oscar por "Procurando Nemo" conta como foi fazer seu primeiro live-action

08.03.2012, às 20H30.
Atualizada em 21.09.2014, ÀS 17H16

John Carter, filme baseado no best-seller Uma Princesa de Marte (John Carter of Mars), de Edgar Rice Burroughs, já está nos cinemas. Burroughs é também o criador do personagem Tarzan e escreveu 11 livros da saga de John Carter. No filme, o protagonista (Taylor Kitsch), depois de um tiroteiro com cowboys e índios, acorda em um lugar estranho - Marte - e é feito prisioneiro de criaturas altas e verdes com quatro braços.

O longa é a primeira produção live-action da Pixar e foi dirigido pelo premiado diretor Andrew Stanton, que escreveu roteiros e dirigiu diversas animações da Pixar como WALL-E e Procurando Nemo. Ele conversou com nosso correspondente em Los Angeles, Steve Weintraub, sobre a mudança de fazer um filme live-action, os problemas de pós-produção, seu filme favorito e mais!

Vamos começar com a coisa mais importante.

A mais importante.

Eu achei o seu filme ótimo.

Que bom.

Achei mesmo. Eu fui completamente tomado. Por duas horas senti que tinha sido transportado para outro lugar e época.

Que bom, era este o objetivo.

Tenho que agradecer.

Que bom. Obrigado você, por ter funcionado. Eu só queria que as pessoas sentissem como foi ler os livros. Se te levar de volta aos 10, 11 anos, ótimo.

Eu não sou... Aliás, não é assim que eu esperava começar a entrevista. Eu não sou um super-fã dos livros do John Carter.

Não existem muitos como você.

Certo. Tem muitas pessoas que já leram, mas eu não sou assim. Eu assisti sem saber nada.

Meu objetivo era que você não precisava saber para gostar. Pode ser até uma vantagem isso.

Estou ansioso para ver em IMAX 3D. Quando sair eu vejo de novo. Agora que eu já me entreguei demais nessa entrevista vamos começar com o mais importante. Normalmente eu começo as entrevistas com perguntas divertidas.

Tudo bem, eu pensei nisso.

Você já respondeu várias perguntas iguais e tem que falar algo novo. Por exemplo: qual é a sua música de karaokê favorita?

Minha música favorita de karaokê? Nossa! Acho que é...

Te peguei nessa.

Provavelmente "Earth, Wind & Fire", do September. Porque todo mundo ama essa música.

Claro.

Conhecendo ou não.

Vocês já fizeram... Em alguma reunião da Pixar... Vocês já fizeram alguma noite de karaokê em que todos saíram juntos?

Isso aconteceu em "Nemo" durante uma... viagem para acampar que eles fizeram. Eu não fui. De alguma forma eu evitei toda essa história de karaokê.

Certo. Vamos pular para o importante: filme, ator e diretor favorito.

Certo. Eu não estou roubando.

Certo.

Porque, honestamente, são todos de um filme.

É mesmo?

Sim. O meu filme favorito de todos os tempos é "Lawrence da Arábia". Meu diretor favorito é o David Lean. Meu ator favorito é o Peter O'Toole.

Quantas vezes você já viu esse filme?

No mínimo 30. Certo.

Você consegue citar os diálogos?

Posso fazer em um jogo de beber.

Nossa.

Frase a frase.

Quantas versões do filme você tem?

Eu tenho... Eu vi pela primeira vez uma versão 35mm com o meu pai, minha mãe e o meu melhor amigo quando eu tinha uns 15 anos. Quando eles lançaram a versão remasterizada, em 1986, com tudo remasterizado, cenas adicionadas. É essa a minha favorita desde então. Então é sempre essa versão.

Certo. É uma boa resposta. Imagino que muitas pessoas compartilhem dessa opinião.

Sim. Quero dizer, como você vai discutir?

É um dos grandes filmes. Eu adoro "Os Bons Companheiros". É o que eu gosto. Mas não dá para discutir com "Lawrence", é...

Sabe, se você tentar discutir qual é o melhor filme já feito as pessoas vão se matar. Mas quando é o seu filme favorito, não tem como estar errado.

Com certeza.

Se é seu filme favorito, é seu filme favorito.

Com certeza. Eu quero passar para algumas coisas específicas sobre fazer o filme. Fale um pouco sobre o processo de montagem. Você falou sobre isso. Vocês filmaram, refilmaram, fizeram sessões teste. Quão desafiador foi editar esse filme? Principalmente por ser seu primeiro live-action e... tudo que isso implica.

Espero que isso não seja chato porque acho que é bem técnico. Todos nós caímos na crença idiota de que... Mesmo que a gente usasse o máximo possível diante das câmeras durante a primeira filmagem, com locações reais e o Williem e a Samantha em cima de pernas de pau na frente da câmera. Mesmo que a gente não visse a versão finalizada de tudo isso sentiríamos que estávamos assistindo ao filme. Sentiríamos como devíamos montar. Quando juntamos tudo percebemos que ainda tinha muita coisa não filmada... Nós subestimamos quanto ainda precisava ser colocado na tela para você saber o que você estava vendo. Como naves, cenário feito no computador... Às vezes os melhores takes eram com o Taylor mas sem atores porque você tem que fazer um take chamado "take limpo". Então acabamos com esse corte que ninguém de fora podia ver porque não ia entender nada do que estava acontecendo. E começamos essa tarefa muito cansativa durante três meses. Eu tinha que juntar um pessoal de roteiro e fazíamos o que chamamos de sobreposição. Você vai ver isso no DVD. E eu tinha que desenhar tudo que eu achava que tinha que estar lá para dar informações à história. Naves, criaturas, os Tarkas. Quando não estava claro o que os stand-ins estavam fazendo. E foi muito... Agora eu sei, eu penso: nossa, devia ter sido um procedimento inteiro antes de... Não só poder prever tudo, tanto para o estúdio quanto para quem possa fazer uma crítica, mas também para o pessoal de efeitos visuais saber o que eu estou planejando. Eu estava tão acostumado a desenhar cada pedaço do filme na Pixar e depois animar que eu pensei que um corte só em live-action ia deixar tudo muito claro. Mas ficou menos claro ainda. Foi bem complicado. Nós tivemos que editar o filme tantas vezes... O que de certa forma acabou sendo muito bom. Acho que no final de tudo... foi uma bênção a gente ter terminado as filmagens quase dois anos antes dele ser lançado. Quase um ano e meio antes de ser lançado para conseguirmos descobrir como fazer os efeitos porque levou esse tempo para descobrirmos os problemas na história e as coisas que precisavam ser retocadas. Podíamos colocar nas datas de refilmagem que já estavam no calendário. A gente só não sabia o que iríamos filmar. Então fazer o primeiro corte tão cedo e ter este desafio de colocar o que eu chamo de "sobreposições de storyboard", se tornou uma ótima ferramenta que nos permitiu... transformar em algo concreto. Não sei se isso fez algum sentido mas...

Os nerds que assistirem isso vão entender. Obviamente, quando você trabalha com cinema, tem sempre uma sequência que os diretores sempre falam em que você trava. Você volta, olha de novo, tenta ajustar. E sempre tem também uma sequência que você faz muito rápido. Que você pega rápido. Qual foi a sequência que veio fácil para você e qual foi a sequência em que você ficou meses e meses? Que você até chamou alguém de fora para opinar.

Sei. E isso é verdade. Tem sempre aquilo que fazemos muito rápido e ficamos surpresos porque nunca deu problema. E tem sempre aquele que não importa o que a gente faça, o quanto a gente trabalhe ou pense naquilo, ele simplesmente se agarra na gente. Então a sequência que nunca nos deu problema foi do Carter encontrando com o Tars. Essa é provavelmente a mais... pura desde que li o livro, quando era criança. Sempre esteve na minha cabeça e na do Mark Andrews. Quando nos reunimos e começamos a escrever o roteiro, o que ele desenhou é basicamente o que você viu. Quando fizemos a atuação não sentimos que precisava mudar muito da ideia original e quando animamos sentimos que tudo evoluía naturalmente como consta no livro. Como algo deve ir do conceito à finalização. E nada mais vai acontecer tão facilmente. Então foi essa. E a que sempre foi a nossa sina foi a que chamamos de "batalha no ar". É a que Carter basicamente pega a Dejah, a resgata e se junta aos Tarkas. Aí ele conhece o Sab e o Matai. É uma cena muito complicada, por isso era nossa sina. Tinha algo acontecendo no ar, alguém assistindo de fora, enquanto tinha outra história paralela acontecendo. Então você tem que cobrir estes outros sub-contextos em lugares geograficamente diferentes. E isso é algo complicado de fazer. E nunca foi fácil. Ficou mais contido, mais domesticado e maleável. Mas tudo se resumia a colocar a música para dar o último toque de continuidade. De fluidez, para não parecer que era tão caótico. E isso... Tudo que você precisa fazer é dizer essas palavras e todo mundo, de qualquer setor da produção, vai se arrepiar.

Estou curioso... Acho que te perguntei isso quando visitamos a sala de edição. Estou curioso sobre os easter eggs no filme. Quem sabe no último ano você colocou alguns ou você não queria falar sobre outros. Quem sabe? Tem easter eggs para os fãs dos livros procurarem? Tem easter eggs que você colocou dos seus dias na Pixar?

Sim. Sabe, o filme me consumiu tanto que eu acho que falhei nesse sentido. Eu não coloquei nenhuma referência à Pixar. Não foi intencional. É uma dessas coisas que quando você se dá conta, já é o que é. Mas... Sabe, com certeza deixamos algumas pistas para coisas que vão aparecer de novo se continuarmos a história. E isso foi de propósito, para ter uma satisfação maior se tiver outra história.

Com certeza. Fale um pouco sobre... Uma das coisas que eu gosto no filme é que ele não menospreza o público. Faz com que você se comprometa. Desde o começo ele pede para você prestar atenção e você ganha uma recompensa por isso. Você teve que lutar por isso? Porque quando os estúdios estão fazendo um grande filme como o seu eles querem que seja muito apelativo, super fácil para todo mundo entender.

E em alguns aspectos eu não discordo deles. A última coisa que eu quero é deixar as pessoas sem vontade e afastá-las. Você quer atraí-las. Então o truque é... E não aconteceu facilmente, isso fazia parte das refilmagens. Vai ser explicado no DVD. Eu comecei com várias ideias e tinha informação demais. No começo. Muito mais do que tem agora. E aí ao longo de um ano eu aprendi, editando com Eric Zumbrunnen, meu montador, que tinha outro modo de dar essas informações. Às vezes não é de imediato. Você tenta colocar no roteiro, mas às vezes não sai até você estar encenando, é aí que você entende como o público está recebendo as informações e como não está. Isso faz parte de controlar o que se conta na história. Eu comecei a entender as pessoas... Consigo entender quando as pessoas querem saber das coisas, que significa manter o desenvolvimento do seu personagem principal. Quanto mais eu conseguir colocar essas coisas em ordem quando as pessoas estão naturalmente fazendo estas perguntas, mais coisas complicadas como nomes, lugares, quem não gosta de quem podem ser colocadas em lugares melhores. E isso faz você melhorar. Quão inteligente você pode ser ao contar uma história. Será que posso esperar até ele conhecer esta pessoa? Posso esperar até aqui? Posso nunca mostrar isso porque não está na hora? As pessoas não entendem sozinhas? E uma das coisas no começo - porque o começo mudou um pouco - é que nós cortamos muita coisa até ficar só aquela abertura simples, com a voz do Dafoe. E basicamente, na falta de um jeito melhor, a gente só fala: "olha, tem esse lugar, esses caras e esses caras. Eles não se gostam e alguma coisa estranha aconteceu". Isso é tudo que você precisa saber. Se você não lembra os nomes ou detalhes nós sabíamos que você ia vê-los de novo e ia ser explicado por qualquer outro motivo. Você tem oportunidades de acompanhar. Não é diferente de ter a confiança de que, se alguém não viu o primeiro episódio de um programa, isso vai acontecer de novo em uma cena do episódio 2. Então está tudo bem se... Você meio que trata como se fosse uma criança interpretando uma conversa complicada entre adultos. Eu não sei os detalhes do que eles estão falando, mas eu entendo que ele está bravo com ela e que não foi resolvido. Às vezes você tem que pegar... Demora um tempo, às vezes, para você se colocar naquele lugar e perceber que é assim que você tem que entender e absorver como a sua história está ficando naquele sentido. Sabe?

Clint Eastwood gosta de dois takes, David Fincher gosta de fazer 50.

Eu sei!

Onde você está nessa escala?

Tenho que admitir, tiveram dias que eu fazia... Dias não, horas, que eu pensava: "O Clint consegue em uma, ele consegue em uma. Vamos lá!". Sabe? E eu tentava sentir orgulho de mim, tipo: quanto que eu tenho que acreditar nisso? Eu só estou com dúvidas? Ou eu realmente acredito que não chegamos lá? Eu descobri que se consigo manter uma média de não menos que 3, eu sou supersticioso, "3" é um bom número para escolher.

Claro.

Se eu passasse de 7 ou 8 é porque tinha alguma coisa errada. Ou eu precisava repensar isso, discutir com os atores ou mudar a câmera. Mas precisava saber que se eu passasse de 8 alguma coisa estava errada e precisávamos arrumar. E... Isso tende a ser uma boa regra.

Qual é o maior número de takes que você fez em uma filmagem?

Nossa! Acho que eu devia lembrar disso... Mas eu não lembro.

Uma pergunta nova. Perguntei algo novo.

É. Eu acho que isso teria deixado uma cicatriz. Sabe, eu me lembro... Acho que isso pode tomar muito do seu tempo mas eu me lembro de tentar filmar perto do final. Nós estávamos em Heathrow, em Londres, bem abaixo da rota dos aviões. Eles voavam a cada seis minutos e a gente tentava desesperadamente filmar nesses intervalos. Os aviões estavam bem em cima da gente. Eles eram aviões jumbo enormes. Você praticamente conseguia contar os parafusos. Era alto assim. A gente só tinha esses pequenos espaços para filmar. E então, de repente, quando passaram os horários de voo e nós pensamos: "certo, estamos seguros", começamos a ouvir essa Catedral lá perto com o sino badalando, badalando, badalando. E não parava! E eu pensava: "é quase meia-noite. Como ainda está tocando?". Passaram quase 20, 25 minutos e eu falei para o segundo assistente de direção: "você não pode ligar para eles e pedir para parar um pouco?". Então ligaram e disseram: "vocês sabem que está tocando sem parar?". E eles falaram: "ah sim, é que o sineiro morreu. Este é o velório". Então é, eu me lembro daquela noite que eu fiquei: "será que um dia a gente vai conseguir filmar?"

Isso é loucura. Tenho que encerrar, mas uma última pergunta rápida: estou curioso... As cenas deletadas no DVD...

Vão ter muitas.

Qual foi a última coisa que você cortou que você pensou: "meu Deus, tenho que cortar essa?".

Ah, sei bem. Tem uma cena no começo em que você vê o que o Edgar está planejando, você vê o telegrama chegar e ser entregue para ele. E isso dá uma localização do personagem muito boa sobre quais são seus desejos e sonhos. E... Era uma cena linda em uma locação e uma das poucas que não tinha nenhum efeito visual. Meu montador ficava mencionando isso até que ele me convenceu em assistir o filme sem a cena. Eu tenho que admitir que mesmo que você perca esse tempero o filme se desenvolveu mais rápido, o Carter chegou em Marte muito antes. Você se identifica muito mais com o filme. É uma dessas lições legais de aprender. O resto do filme se beneficia se o motor continuar funcionando.

Rapidamente: você vai fazer uma versão no blu-ray ou...?

Não, não sinto que... Pode ter uma cena que eu olhe de novo e pense: "tive mesmo que cortar essa cena?" Porque ela era muito curta. Ela travava um pouco no meio do filme se colocasse mas sempre adorei separadamente. É um grande trabalho de personagens. Mas eu tenho certeza que o corte que você viu é o certo.

Tenho que encerrar ou ela vai ficar, sabe, brava. Muito obrigado e parabéns.

Bryan Cranston, Willem Dafoe, James Purefoy, Mark Strong, Ciarán Hinds, Samantha Morton, Dominic West, Polly Walker e Thomas Haden Church também estão no elenco.

O roteiro foi revisto por Michael Chabon (Kavalier and Clay) a partir de texto de Stanton e Mark Andrews.

John Carter já está nos cinemas. Leia a crítica.