Conhecido das novíssimas gerações pelos vampiros chiques de Amantes Eternos (2013) e pela comédia agridoce Flores Partidas, com Bill Murray, laureada com o Grande Prêmio do Júri no Festival de Cannes de 2005, o americano Jim Jarmusch tem tudo para sair da Croisette com troféus uma vez mais. A julgar pela os olhares marejados de emoção e os sorrisos de contentamento com que a plateia saiu da sessão de seu mais recente longa-metragem, Paterson, o diretor de 63 anos, encarado como papa do cinema alternativo nos EUA, voltou ao pódio dos gigantes da autoralidade. E boa parte dos elogios se dirigia a seu protagonista, Adam Driver, o neto de Darth Vader em Star Wars - Episódio VII: O Despertar da Força, encarado agora no balneário francês como favorito ao prêmio de melhor ator – o seu único adversário de peso até o momento seria Dave Johns por I, Daniel Blake, do inglês Ken Loach. Uma láurea muito peculiar de Cannes já é considerada de Jarmusch, ou melhor de seu coadjuvante mais silencioso, o buldogue Marvin: a Palm Dog, Palma dada ao cão que mais se destacou nos filmes de todas as seleções cannoises. Marvin é o amigo de toda hora do motorista de ônibus e poeta vivido por Driver.
O rapaz se chama Paterson em referência à cidade onde nasceu e vive, e por onde passou seu ídolo: o poeta William Carlos Williams (1883–1963), um renovador da forma estética no verso americano. Mas Paterson não tem sonhos de renovação de linguagem: avesso ao uso de celulares e computadores, ele quer apenas conservar sua rotina em paz. Dirige de manhã, escreve estrofes nas paradas mais longas de seu coletivo, janta à noite os pratos insossos feito com quinoa e couve por sua mulher, a expert em cupcakes Laura – personagem antológica vivida pela iraniana Golshifteh Farahani -, e passeia com Marvin antes de dormir, regando o fim do expediente com uma cervejinha. Paterson gosta desse viver processual e consegue inventar metáforas belíssimas a partir da repetição diária. Não espere mudanças na trama nem viradas com surpresas. O que temos é essa liturgia, durante 1h53m, mas narrada com um bom humor e uma doçura contagiantes, de se ouvirem gargalhadas e soluços na sala de projeção.
Queridinho de Cannes desde sua estreia no cinema, em 1980, com Permanent Vacation, Jarmusch ficou famoso por uma estética cool, no qual sua câmera se interessa pelos feitos mínimos do dia a dia de figuras desvalidas, sem grandes aspirações para o futuro, em narrativas sempre pontuadas de ironia. Essa receita se recicla em Cannes, onde Paterson aperece entre os títulos de maior relevo e de melhor boca a boca, seguido por The Handmaiden, do sul-coreano Park Chan-Wook, pelo já citado I, Daniel Blake e por Toni Erdmann, da alemã Maren Ade, que fez de Sandra Hüller a primeira candidata de peso ao prêmio de melhor atriz.
O resultado sai no dia 22, mas antes, nesta terça-feira é a vez de Cannes conferir o candidato brasileiro à Palma: Aquarius, de Kleber Mendonça Filho. Num papo de corredor com o Omelete, o escritor Michel Ciment, decano da crítica francesa, elogiou o desempenho da atriz Sonia Braga (na pele de Clara, uma jornalista aposentada às voltas com a especulação imobiliária e o esvaziamento do prédio onde vive). Segundo Ciment, em poucas palavras: “Sonia tem um desempenho fabuloso ao encarnar a condição feminina”.
Neste domingo, a surpresa de Canes, fora da seleção oficial, veio do terreno da animação com Ma Vie de Courgette, do suíço Claude Barras, exibida na Quinzena dos Realizadores. A produção, animada em stop-motion, narra os esforços de um órfão para aprender a ser feliz – e amar – ao lado de seus novos amigos. A agilidade no manuseio dos bonecos aliada à uma trama nas raias do melodrama gerou, na tela, de Cannes um espetáculo comovente – mas não tanto como o de Jarmusch.