Filmes

Artigo

Festival de Cannes | Entre vaias, aplausos e ataques à Netflix, Okja conquista o evento

Miyazaki foi referência para a fábula anticapitalista de Boong Joon-Ho sobre porcos mutantes

19.05.2017, às 08H37.
Atualizada em 29.06.2018, ÀS 02H37

Vaias homéricas e uma gafe raras vezes vista nos 70 anos de história do Festival de Cannes tornaram a primeira projeção pública da fábula Okja, da Netflix, um evento, confirmando o coreano Boong Joon-Ho não apenas com um dos diretores mais inventivos do cinema atual, mas também como um dos mais cavalheiros.

Esbanjando simpatia, ele botou Cannes no bolso ao falar sobre a postura anticapitalista de seu filme e ao encarar a polêmica da hora na Croisette. Desde o início do evento, a opção tomada pela Netflix de não levar a circuito seus dois filmes indicados à Palma de Ouro - o de Bong e The Meyerowitz Stories, com Adam Sandler - gerou narizes torcidos, inclusive o do atual presidente do júri da conpetição, o espanhol Pedro Almodóvar. Essa grita levou o logo da emissora digital a ser vaiado com furia nos minutos iniciais da exibição, quando, um erro no recolhimento da cortina do Palais des Festivals tampou a parte superior da tela. Houve até quem suspeitasse de um ato de sabotagem.

"Sou um grande fã da obra de Almodóvar e fico feliz só de saber que ele vai ver meu filme, mesmo que venha a falar mal. E sobre o problema que houve na exibição: que bom! Graças a ele, toda a imprensa pode ver duas vezes o início do meu filme, que tem muita informação", disse Bong, na simpatia plena, ao lado de sua estrela, Tilda Swinton.

Dividida em dois papéis no divertido (mas muito irregular) filme de Bong sobre uma porquinha mutante, tamanho GGG, Tilda inflamou o papo sobre a posição tomada por Almodóvar de não querer premiar um filme que não vá para circuito. "Um júri tem o direito de se expressar livremente, mas não viemos aqui atrás de prêmios e sim para mostrar este trabalho", disse a atriz inglesa.

Em Okja, ela interpreta duas irmãs que possuem a poderosa corporação Mirando, responsável pela criação de uma raça mutante de porcos para alimentar a espécie humana. A ideia da empresa é realizar um concurso, sob o comando de um apresentador de TV de programas de animais (vivido por um hilário e afetado Jake Gyllenhaal), a fim de escolher o suíno mais suculento. Okja é um deles: uma leitoa plus size, criada em uma área de montanhas da Coreia por uma menininha, Mija (a atriz mirim An Seo Hyun, que amoleceu corações em Cannes com sua fofura). Quando Okja e Mija se separam, a garotinha parte atrás dela, ajudada por um exército de libertação dos animais liderado por Paul Dano.

"Hayao Miyazaki foi uma referência grande para este filme e, creio, para todo filme que se propõe a refletir sobre a harmonia entre homens e o meio ambiente. Há muito de Totoro e de A Viagem de Chihiro aqui. Falava muito desses desenhos animados com Tilda", diz Bong ao Omelete. "Todo trabalho de Miyazaki traz uma carga de discussão sobre o impacto do capitalismo sobre nós e sobre o equilíbrio ambiental".

Apesar de toda a inventividade do roteiro e do ritmo contagiante dos primeiros 45 minutos, Okja perde o fôlego em sua segunda metade, perdendo-se no esforço do diretor em transformar essa fábula em um debate político. Apesar disso, os efeitos especiais são arrebatadores do início ao fim.

Até agora, entre os concorrentes já exibidos, o russo Loveless, de Andrey Zvyagintsev, foi o mais aclamado, falando de um ex-casal às voltas com o desaparecimento do filho. Outro que agradou a todos foi Western, um drama social de secura exasperante, rodado com não atores, exibido na seção paralela Un Certain Regard: sua trama fala do choque entre operários alemães e búlgaros na realização de uma construção. A grande decepcão festival até aqui veio da Quinzena dos Realizadores: Un Beau Soleil Intérieur, com uma Juliette Binoche caricata.