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Festival de Cannes | Momentos históricos

Dez acontecimentos que marcaram uma das mais renomadas festas do cinema

15.05.2013, às 21H25.
Atualizada em 29.06.2018, ÀS 02H37

Um dos mais renomados festivais de cinema do mundo começou como um protesto. Sob influência fascista, o Festival de Veneza dividira o grande prêmio entre dois filmes, um alemão e um italiano, ao invés de entregar a honra ao favorito francês. Em 1939, revoltada com a corrupção política na cultura europeia, a França decidiu criar, com o apoio de britânicos e americanos, a sua própria premiação. O Festival International du Film, porém, foi cancelado após a exibição de um único longa, O Corcunda de Notre Dame, de William Dieterle. A Alemanha invadira a Polônia e a França entrara para a Segunda Guerra Mundial.

Passada a guerra, o festival retornou ao balneário de Cannes em 1946 e deu início à tradição que hoje completa 66 anos. São quase duas semanas de celebração do cinema, mas também de negócios, glamour e polêmicas. Da criação da Palma de Ouro aos chiliques de Lars Von Trier, separamos dez importantes acontecimentos da história do Festival de Cannes:

1 - O começo


O Festival du film de Cannes fez sua estreia oficial em 20 de setembro de 1946. O historiador Georges Huisman presidia um eclético júri, que dividiu o Grande Prêmio entre 11 filmes (escolhidos entre os 44 longas em competição). Entre os premiados estavam Desencanto, de David Lean, A Última Porta, de Leopold Lindtberg, Farrapo Humano, de Billy Wilder, María Candelaria, de Emilio Fernández, A Sinfonia Pastoral, de Jean Delannoy, e Roma, Cidade Aberta, de Roberto Rossellini. Para a sua segunda edição, em setembro de 1947, a organização fez modificações na sua estrutura de avaliação e premiação. O júri, ainda presidido por Huisman, era formado apenas por franceses e os prêmios foram distribuídos por gêneros: Melhor Comédia Musical (o filme coletivo Ziegfeld Follies), Melhor Romance ou Filme Psicológico (Antonio e Antonieta, de Jacques Becker), Melhor Animação (Dumbo), Melhor Filme Social (Rancor, de Edward Dmytryk) e Melhor Filme de Crime ou de Aventura (Les Maudits, de René Clémena). Essas indefinições iniciais mostram um pouco da capacidade do festival de se transformar. Ao longo dos anos, diversas mudanças foram feitas, do número de inscritos, aos prêmios e à criação de mostras paralelas, buscando sempre aumentar o alcance do Festival de Cannes para influenciar o público e a indústria cinematográfica no reconhecimento do "melhor" da sétima arte.


2 - A criação do Palácio dos Festivais e um novo calendário


As primeiras edições do festival foram realizadas em um antigo cassino de Cannes, mas os planos para uma sede própria existiam desde o começo. Em 1948, o festival foi cancelado por problemas no orçamento, provavelmente causados pela construção do Palácio dos Festivais (o Palais des Festivals et des Congrès). A queda do telhado causada por uma tempestade logo após sua inauguração, em 1949, também é a provável causa do cancelamento do festival em 1950. O antigo prédio, localizado no Boulevard de la Croisette, foi substituído por uma nova e maior sede, criada pelos arquitetos Bennett & Druet e inaugurada em 1982. O atual Palácio dos Festivais, construído sobre o antigo cassino municipal, na região do antigo porto, ocupa 35 mil m² e aluga seus espaços para os mais variados eventos.

Em 1951, após a intermitência causada pelo orçamento, o festival se estabilizou e transferiu suas comemorações para a primavera, definindo seu espaço entre maio e junho e evitando o conflito de datas com o seu antigo rival, o Festival de Veneza.


3- A Palma de Ouro


A edição de 1949 inaugurou o Grande Prêmio do Festival, entregue a O 3º Homem, de Carol Reed. O festival de 1951, que dividiu o grande prêmio entre Senhorita Júlia, de Alf Sjöberg, e Milagre em Milão, de Vittorio De Sica, deu origem ao Prêmio Especial do Júri, que ficou com A Malvada, de Joseph L. Mankiewicz. Em 1952, Due Soldi di Speranza, de Renato Castellani, e Othello, de Orson Welles, dividiram a então graça máxima de Cannes, que também premiou a atuação de Marlon Brando em Viva Zapata!. Na edição de 1953, o júri do presidente Jean Cocteau premiou O Salário do Medo, de Henri-Georges Clouzot, e entregou o Prêmio do Júri a Walt Disney, por sua contribuição na divulgação do festival. No mesmo ano, voltaram categorias de gênero, como adições inusitadas como Melhor Conto de Fadas (Valkoinen peura, de Erik Blomberg) e Melhor Filme de Entretenimento (Lili, de Charles Walters). Em 1954, a premiação honrou Jigokumon, de Teinosuke Kinugasa, com o Grande Prêmio e escolheu, entre outros, o Melhor Curta de Fantoches (O Sklenicku Vic, de Břetislav Pojar) e o Melhor Filme Poético (The Pleasure Garden, de James Broughton).

É em 1955, porém, que o Festival de Cannes encontra o seu prêmio definitivo: a Palma de Ouro. O visual é inspirado na folha que orna o brasão da cidade de Cannes e foi desenhada originalmente pelo joalheiro Lucienne Lazon. O júri, então presidido pelo cineasta francês Marcel Pagnol, entregou a honra máxima para Marty, filme de Delbert Mann, estrelado por Ernest Borgnine. O troféu permaneceria no topo até 1963 - sento entregre a The Silent World, de Jacques-Yves Cousteau e  Louis Malle, em 1956; Sublime Tentação, de William Wyler, em 1957; Quando Voam as Cegonhas, de Mikhail Kalatozov, em 1958; Orfeu do Carnaval, de Marcel Camus, em 1959; A Doce Vida, de Federico Fellini, em 1960; Uma Tão Longa Ausência, de Henri Colpi; e Viridiana, de Luis Buñuel, em 1961; o brasileiro O Pagador de Promessas, de Alselmo Duarte, em 1962; e O Leopardo, de Luchino Visconti, em 1963 - e foi substituído em função de direitos autorais pelo Grande Prêmio, entregue em 1964 a Os Guarda-Chuvas do Amor, de Jacques Demy. O prêmio foi reintroduzido em 1975, entregue a Chronique des Années de Braise, de Mohammed Lakhdar-Hamina, e se consagrou como um dos mais prestigiados, e ecléticos, troféus do cinema.


4- Marché du Film


Cannes quer celebrar a arte, mas também incentivar a indústria. Desde 1959, o "Mercado de Filmes" é um dos principais balcões internacionais onde investidores e distribuidores de todo o mundo se encontram para definir os novos rumos da sétima arte, garantindo o financiamento e/ou a distribuição de filmes ainda inéditos.

Em 2012, por exemplo, 11.500 pessoas, de 110 países, participaram do Marché du Film, onde foram negociados 4.649 longas-metragens.


5- Semana da Crítica


A primeira mostra paralela ao Festival de Cannes foi criada em 1962 pela União Francesa dos Críticos de Cinema. O objetivo era descobrir novos talentos, exibindo os primeiros trabalhos de diretores de todo o mundo, sem se prender a tendências comerciais. Bernardo BertolucciLeos CaraxWong Kar WaiJacques AudiardArnaud DesplechinGaspar Noé François Ozon estão entre os nomes "descobertos" pela Semana da Crítica. Atualmente, são exibidos apenas sete longas e sete curtas para que os selecionados tenham melhor visibilidade. No caso de longas de diretores estreantes, os filmes também concorrem ao Caméra d'Or.

Em 2013, a Semana da Crítica será encerrada por 3x3D, antologia de curtas-metragens 3D dirigidos por Jean-Luc GodardPeter GreenawayEdgar Pêra.


6- Maio de 1968 e a Quinzena dos Realizadores

Uma das mais conturbadas edições do festival aconteceu durante os eventos de maio de 1968. Cineastas como Carlos SauraMilos Forman retiraram seus filmes de competição e, em 19 de maio, Jean-Luc Godard e Claude Lelouche anunciaram o cancelamento do festival em solidariedade aos trabalhadores e estudantes em greve. No mesmo ano, os cineastas fundaram a Sociedade de Realizadores e, no ano seguinte, liderados por Pierre-Henri Deleau, criaram a Quinzena dos Realizadores, uma mostra não competitiva com filmes internacionais escolhidos de forma independente, não vinculada à curadoria oficial dos organizadores de Cannes.

Em 2013, a Quinzena traz filmes de Alejandro JodorowskyAri FolmanSerge Bozon, entre outros.


 

7 - Un Certain Regard (Um Certo Olhar) e Caméra d'Or (Câmera de Ouro)

A principal mostra que acontece paralela à competição pela Palma de Ouro, a Un Certain Regard, foi criada por Gilles Jacob em 1978 e busca mostrar diferentes visões e estilos considerados importantes pela organização, mas que não se encaixam exatamente na da seleção principal. Ao longo dos anos, a Un Certain Regard exibiu filmes originais com técnicas experimentais e tendências de vanguarda criadas por diretores novatos ou consagrados. Em 1998, foi criado um prêmio para a mostra paralela, que hoje corresponde a um financiamento de 30 mil euros. Entre os contemplados, estão nomes como o do brasileiro Andrucha Waddington (por Eu Tu Eles) e o coreano Hong Sang-soo (por Hahaha).

Também criado por Jacob em 1978, o Caméra d'Or premia diretores estreantes. O troféu, entregue no encerramento do festival, nasceu com o intuito de "incentivar o diretor a realizar o seu segundo longa". Diretores que apenas fizeram filmes acadêmicos ou para a TV também podem competir na categoria. Jim Jarmusch (Estranhos no Paraíso), John Turturro (Mac), Steve McQueen (Hunger) e Miranda July (Eu, Você e Todos Nós) estão entre os cineastas premiados.


8- Gilles Jacob e um novo júri


Ao assumir a presidência do festival em 1978, Gilles Jacob introduziu mudanças significativas ao espírito do festival. Além de criar a mostra Un Certain Regard, o prêmio Caméra d'Or e a Cinéfondation, Jabob foi responsável por reduzir o número de dias do festival, diminuindo também a lista de filmes selecionados, e por mudar a cara do júri, antes formado estritamente por cineastas e acadêmicos, dando espaço a celebridades e outros profissionais da indústria cinematográfica.

Em 2013, a comissão julgadora presidida por Steven Spielberg será composta ainda pelo diretor taiwanês Ang Lee, o ator austríaco Christoph Waltz, a atriz australiana Nicole Kidman, o ator e diretor francês Daniel Auteuil, o diretor romeno Cristian Mungiu, a diretora japonesa Naomi Kawase, a diretora escocesa Lynne Ramsay e a atriz indiana Vidya Balan.


9- Cinéfondation


Outra criação de Gilles Jacob, a Cinéfondation objetiva apoiar uma nova geração de cineastas internacionais. Desde 1998, a fundação seleciona de 15 a 20 curtas e médias-metragem de estudantes de cinema de todo o mundo. Os brasileiros Eduardo Valente (Um Sol Alaranjado) e Antonio Campos (Buy It Now) estão entre os nomes premiados pela Cinéfondation.


10- Lars Von Trier e o perdão em Cannes


Os holofotes do Festival de Cannes consagraram nomes como Quentin Tarantino (que levou a Palma de Ouro por Pulp Fiction) e Steven Soderbergh (premiado por Sexo, Mentiras e Videotape) e seu compromisso com a arte perdoou filhos pródigos, como François Truffaut, que, apesar das suas duras críticas ao festival nos seus primeiros anos, levou o prêmio de Melhor Diretor em 1959, por Os Incompreendidos, e integrou o júri que premiou O Pagador de Promessas, em 1962. A maior prova da "capacidade de perdão" de Cannes, porém, é o cineasta Lars Von Trier.

Em 1991, depois de Europa perder a Palma de Ouro para Barton Fink, de Ethan e Joel Coen, e receber apenas o Prêmio do Júri, dividido com Hors la Vie, de Maroun Bagdadi, e abaixo do Grande Prêmio do Júri, entregue a A Bela Intrigante, de Jacques Rivette, Von Trier resolveu confrontar Roman Polanski, então presidente do júri - o que teria resultado no dinamarquês chamando o cineasta polonês de anão e jogando seu prêmio no chão. Perdoado, Von Trier recebeu da comissão julgadora presidida por Francis Ford Coppola o Grande Prêmio do Júri por Ondas do Destino, em 1996, e foi agraciado com a Palma de Ouro em 2000, com Dançando no Escuro, quando Luc Besson comandava o júri.

Em 2011, na sua nona indicação à Palma de Ouro, o cineasta dinamarquês foi declarado persona non grata depois de fazer comentários irônicos em defesa de Adolf Hitler durante uma coletiva para promover Melancolia. Já em 2013, o diretor artístico de Cannes, Thierry Fremaux, declarou que o banimento foi mal interpretado e que o cineasta continua bem-vindo a Cannes. The Nymphomaniac, novo longa do diretor, não está em competição pois não ficou pronto a tempo, segundo Fremaux.


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