Aos 60 anos de idade e 35 anos de carreira no cinema, a atriz escocesa Tilda Swinton está longe de ser uma novata no Festival de Cinema de Cannes. Ainda assim, a edição de 2021 promete ser especial para a ganhadora do Oscar. Swinton integra o elenco de seis filmes que serão exibidos no evento, incluindo dois concorrentes à Palma de Ouro e uma versão restaurada do quinto longa em que ela trabalhou, lançado em 1987. E por mais que ter mais de um trabalho destacado no festival não seja honra historicamente exclusiva à atriz, fazer isso em meio a uma pandemia como a da covid-19 é definitivamente notável.
O mais badalado dos lançamentos com a atriz é certamente A Crônica Francesa, um dos concorrentes à Palma de Ouro que marca a quarta colaboração de Swinton com o diretor Wes Anderson. Na comédia, sobre um escritor francês trabalhando para um jornal fictício dos Estados Unidos, a atriz encarna uma excêntrica crítica de arte, expandindo seu rol de personagens peculiares sob a lente do cineasta texano. Conhecida pela capacidade camaleônica de se reinventar fisicamente nos mais diversos papéis, a ganhadora do Oscar já colocou seus dotes à serviço dessa parceria como um pug viciado em TV em Ilha de Cachorros (2018), uma decrépita socialite em O Grande Hotel Budapeste (2014) e uma sádica funcionária da Assistência Social em Moorise Kingdom (2012).
A Crônica Francesa/Reprodução
Em contraponto a esse histórico de colaborações recorrentes vem Memoria, o primeiro trabalho de Swinton com o cineasta tailandês Apichatpong "Joe" Weerasethakul (vencedor da Palma de Ouro de 2010 com Tio Boonmee, Que Pode Recordar Suas Vidas Passadas). A produção é fruto de uma amizade à distância de mais de 15 anos, iniciada com um texto da atriz onde ela elogiava o trabalho do diretor em Mal dos Trópicos (2004). No novo filme, uma produção internacional que também briga pelo principal prêmio de Cannes, Swinton interpreta uma fazendeira de orquídeas que viaja a Bogotá para visitar sua irmã doente. Lá, passa a ser perturbada por barulhos misteriosos.
De uma amizade antiga com a cineasta britânica Joanna Hogg saiu The Souvenir (2019). O drama, sobre o conturbado relacionamento entre uma jovem estudante de cinema e um homem mais velho e perturbado, traz Swinton contracenando com a própria filha, fruto da relação que teve com o dramaturgo John Byrne, Honor Swinton Byrne. Fora de competição, ele será exibido em Cannes junto à sequência, The Souvernir Part II, que fará sua estreia no evento como parte da Quinzaine des Réalisateurs (seleção independente de produções internacionais que engloba curtas e longa-metragens).
Por fim, o documentário The Storms of Jeremy Thomas traz a atriz como testemunha da influência do produtor de filmes como O Último Imperador (1987), Naked Lunch (1991) e Crash - Estranhos Prazeres (1996). A produção dirigida por Mark Cousins, que também faz sua estreia em Cannes, coloca o festival como um personagem da história, abordando a peregrinação que Thomas faz há 45 anos para ir de Londres até a cidade francesa. É uma boa ilustração do crescente escopo de Swinton para o evento e, claro, o cinema, que ganha ainda mais reforço com a exibição de uma cópia restaurada do surrealista drama romântico Friendship's Death (1987). No longa, a atriz vive uma alienígena presa em um quarto de hotel com um correspondente de guerra humano (Bill Patterson).
Friendship's Death/Reprodução
Com o início do festival, que vai desta terça (6) até o sábado (17) da semana que vem, Swinton dá uma pausa no breve descanso que teve, na Escócia, após 18 meses de trabalho. Nesta mesma época de 2020, a atriz filmava em Madri o novo filme de Pedro Almodóvar, The Human Voice. Em setembro, depois de aceitar o Leão de Ouro de Carreira na 77ª edição do Festival de Cinema de Veneza, foi ao País de Gales para as filmagens de The Eternal Daughter, drama dirigido pela amiga de longa data Joanna Hogg. De quebra, passou boa parte do primeiro semestre de 2021 na Austrália, sob a direção de George Miller, contracenando com Idris Elba em Three Thousand Years of Longing.
A agenda lotada de Swinton, seja de gravações ou estreias e exibição, é reflexo da paixão confessa que a atriz nutre pelo cinema; sentimento que a mantém afastada de papéis na televisão há mais de 30 anos, quando trabalhou na série de comédia britânica Your Cheatin’ Heart. À Variety, ela explicou como isso se traduz também em gratidão ao palco cinematográfico que Cannes proporciona. “Sou uma cinéfila. Sou realmente muito, muito, muito devotada ao cinema, e essa é outra coisa que me faz muito feliz em relação ao prospecto de Cannes. Esses filmes que sou privilegiada por poder levar até lá são filmes de cinema. Eles não foram feitos para a televisão”, ela explica.
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Dito tudo isso, não parece ter sido à toa que, na última vez em que atuou em uma produção exibida predominantemente (mas não exclusivamente) em televisores, Swinton ainda a viu na tela grande de Cannes. Foi em 2017, com Okja, filme dirigido por Bong Joon-ho em parceria com a Netflix. À época, o regulamento do festival ainda permitia que produções não exibidas em cinemas locais se inscrevessem na competição, o que mudou imediatamente para o ano seguinte. Se tratando de outra personalidade do cinema, poderíamos falar em coincidência. Sendo um filme com Tilda Swinton, deve ter sido apenas respeito à realeza.