Rick O'Connell não consegue pescar. A técnica para pegar trutas, conhecida como fly, exige que o pescador arremesse e puxe a isca sem deixá-la repousar na água. Rick briga com a vara, o anzol finca no seu pescoço. A técnica que o protagonista de A Múmia: A Tumba do Imperador Dragão não domina se assemelha ao movimento de um chicote.
múmia
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Incrível esse ato falho, que sem querer deixa claro: Rick O'Connell não chicoteia como aquele outro aventureiro. Por anos habitou-se dizer que a cinessérie A Múmia era a mais bem sucedida dentre as várias imitações de Indiana Jones, mas só agora - com algumas semanas separando a estréia de Reino da Caveira de Cristal e Tumba do Imperador Dragão - dá pra ver o abismo que separa o original da cópia.
Mesmo se comparado com o primeiro A Múmia, de 1999, e a continuação de 2001 o terceiro sai perdendo. A história troca as areias do Egito pelas da China. Rick (Brendan Fraser) e sua esposa Evelyn (Maria Bello, substituindo Rachel Weisz) se aposentaram, e o filho do casal, Alex (Luke Ford), lutando para sair da sombra do pai, desenterra o imperador chinês que foi transformado em terracota por uma feiticeira. Claro que a certa altura o imperador (vivido por Jet Li) vai ressuscitar.
Diretor dos dois primeiros, Stephen Sommers dá lugar a Rob Cohen (Velozes e Furiosos, Triplo X, Ameaça Invisível). Não são nenhum Spielberg, evidentemente, e se igualam na mediocridade. O que prejudica A Múmia 3 de verdade é o roteiro, de autoria dos criadores do seriado Smallville, Alfred Gough e Miles Millar. Já se espera que um filme desses seja cheio de furos de continuidade, mas Gough e Millar furam mais. Esperam-se irritantes frases de efeito e piadas fora de hora, mas os roteiristas se superam.
O espectador consegue ver na sua frente os templates sendo preenchidos: entra cena de ação (explosão, frase engraçada, troca de tiros, frase engraçada), corta para elemento dramático (imperador ganha poderes de volta, coadjuvante explica em voz alta "o imperador está ganhando seus poderes de volta!"), fecha cena de ação (começa a avalanche na montanha, coadjuvante explica em voz alta "avalanche!"), corta para transição de set pieces (todos inexplicadamente a bordo de um avião), começa a cena de ação seguinte, e assim por diante.
Será que não era evidente para Rob Cohen que a sua batalha final, com personagens separados por quilômetros e logo em seguida aparecendo a poucos metros uns dos outros, era um absurdo geográfico? Filme de aventura é esquematismo mesmo, só que os bons filmes do gênero são esquemáticos sem que isso fique evidente.
E o que era uma série descompromissada de aventura começa a chamar mais atenção para seus defeitos. O maior deles - sem contar os cafonas rostos de areia formados pelo vento - é a construção do personagem de Fraser. Rick uma hora briga com o filho por ter violado um sítio arqueológico, mas em seguida brinca com um artefato raro nas mãos como se fosse uma criança. Uma hora demonstra total abnegação, entrega típica dos grandes heróis, mas em seguida reclama quando rasgam sua "camisa preferida".
Se há uma constante na personalidade de Rick é justamente sua inconstância. Na verdade tudo já estava dito na cena da pescaria. Como Rick O'Connell nunca vai ser Indiana Jones, uma hora ele consegue pegar as trutas... Descarregando um revólver.