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Ainda Estou Aqui | O que faz a atuação Fernanda Torres tão especial?

Cotada para o Oscar, atriz faz trabalho de sua vida no filme de Walter Salles

07.11.2024, às 12H06.
Atualizada em 07.11.2024, ÀS 13H00

Ainda Estou Aqui está enfim em cartaz nos cinemas brasileiros. O filme de Walter Salles chega às telas do país depois de um longo circuito de festivais internacionais que não só trouxe prêmios, como também o lançou de cabeça na corrida do Oscar 2025. Indicações como Roteiro Adaptado e Filme Internacional parecem as mais prováveis, mas o público abraçou um aspecto em especial: a atuação de Fernanda Torres.

Não é à toa. A atriz encarna em seus gestos e diálogos as temáticas de um filme sobre as incertezas de um país debaixo da ditadura, de uma casa e família lidando com rachaduras e, acima de tudo, sobre o vazio deixado com o sumiço de seu marido, Rubens Paiva (Selton Mello). A história do desaparecimento, e assassinato, de Paiva, poderia ser encarada de diferentes perspectivas, mas há um claro efeito na escolha de Marcelo Rubens Paiva de escrever, a partir da perspectiva de Eunice (Torres), sobre como seu pai foi sequestrado e como as coisas mudaram em seu lar depois daquele fatídico dia em 1971. Tanto no livro quanto na adaptação para o cinema, acompanhamos tudo a partir do olhar preocupado mas firme da mulher.

Ainda Estou Aqui poderia ser uma narrativa de ativismo partindo do ponto de vista do próprio Rubens, ou de uma das filhas mais vocais nas críticas ao regime militar. Também poderíamos, como em tantas obras, ser colocados no lugar das crianças para que o sofrimento pelo qual elas passam sirva como representação da perda da inocência – um amadurecimento brutal e inevitável. Adotando o próprio Marcelo como protagonista, Ainda Estou Aqui poderia usar o acidente que tirou o uso de suas pernas como paralelo para aquilo que é roubado de nós.

Mas Eunice é a escolhida. Descrita na sinopse do livro como uma “mulher que nunca chorou na frente das câmeras”, a matriarca da família Paiva oferece algo que nenhum dos outros candidatos possui: a habilidade de trafegar em ambos lados da situação. Ela está com os colegas de Rubens na luta por respostas e na busca por responsáveis, e também com os filhos nas inseguranças de viver às sombras. Eunice, porém, também traz sua própria dinâmica.

Os homens que executaram Rubens Paiva tinham como missão negar seus atos. Eles são convocados a escondê-los, a ocultar o que foi feito. Seus colegas ainda podem se dar ao luxo de transformá-la em causa, em pauta. De pensar na melhor estratégia para potencializar os efeitos da tragédia da família Paiva na mídia. Para Eunice, que Fernanda Torres vive como alguém que acumula escolhas impossíveis, não há como se distanciar do vazio.

A ausência do marido é inescapável, representada nos arquivos de família e nas perguntas difíceis de seus filhos. Com isso, a atuação de Torres precisa fazer algo a mais do que servir de bússola moral ou apenas servir o papel de protagonista. Ela deve incorporar toda a realidade emocional de uma casa, de cinco filhos, de um marido que foi levado e da mulher que ficou. É tentador, e até fácil, traçar linhas entre sua perda de memória por conta da doença de Alzheimer e o esquecimento daqueles tomados pelos militares, ou de sua decisão de deixar a casa no Rio de Janeiro e a virada emocional pela qual a personagem passa após se reinventar.

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Mas tais conexões só existem porque Torres estampa cada uma delas na fala, segurando o choro e transformando em palavras as emoções da mulher, assim como faz nas expressões de medo, luto e força que alternam o domínio de seu rosto depois que Rubens é preso. Quando Ainda Estou Aqui precisa falar da saudade, é sobre ela que recai a missão. Quando precisamos sentir a ansiedade de uma mãe de cinco, ela logo se mostra indispensável. O momento mais emblemático, porém, vem na fala mais poderosa de todo o filme.

Antes de saírem do Rio, os Paiva recebem a visita da imprensa para uma matéria sobre o desaparecimento de Rubens, e o fotógrafo expressa o desejo do editor do jornal por uma imagem de toda a família séria, com ar de quem vive uma ruína. Eunice, irredutível, rejeita. Ela sabe que essa foto pode ser melhor para a mídia e para os militantes, oferecendo um pôster para sua causa, mas que aquilo também daria aos homens que mataram seu marido um ar de vitoriosos, pois os Paiva virariam perdedores. Assim, mesmo mantendo traços de tristeza, de parecer à beira de lágrimas, ela puxa de um lugar desconhecido a energia para mais uma vez alegrar todos à sua volta.

Apesar de tudo que passamos, ela parece determinada a dizer, “vamos sorrir.”