Em 2005, em Saquarema, no Rio de Janeiro, a Polícia Federal prendeu Jesse James Hollywood, 25 anos, o mais jovem nome da lista dos mais procurados do FBI. Filho bem nascido da Califórnia, Jesse James figurava havia quatro anos na lista, por tráfico de drogas e homicídio.
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Espertamente, muito provavelmente para evitar infringir direitos de imagem, o filme Alpha Dog (2007) troca nomes e fatos para contar a história do criminoso antes da prisão, com o perdão do trocadilho, hollywoodiana em Saquarema. Pormenores policiais do caso real são diluídos ou dissimulados - Jesse James Hollywood vira, então, Johnny Truelove.
Emile Hirsch (Os reis de Dogtown) interpreta o personagem aos dezenove anos. Traficante de drogas cada vez mais notável em San Gabriel Valley, Truelove precisa não só lucrar mas começar a botar respeito nos negócios que faz. Um jovem neonazista, Jake (Ben Foster), está lhe devendo dinheiro. Quando decide cobrar, o traficante percebe que não vai receber. A última solução é sequestrar o irmão do devedor.
Como tudo nessa idade, o "sequestro" de Zack (Anton Yelchin) é encarado como farra. Encarregado de cuidar do "refém", um dos amigos de Truelove, Frankie (Justin Timberlake), leva Zack para conhecer garotas, beber, fumar um baseado. Zack adora os novos amigos - é muito melhor do que ficar em casa sob a vigília da mãe (Sharon Stone). O problema é que Frankie e Truelove não têm como explicar às autoridades que o sequestro foi de mentirinha, só para assustar. E no fim as coisas sempre acabam mal.
O fato de o diretor Nick Cassavetes não procurar a todo tempo relacionar ficção e realidade vem a calhar. Se fosse uma biografia autorizada, é muito possível que o filme terminasse como um retrato tradicional de um criminoso (com todo tipo de julgamento de moral que retratos pressupõem). Do jeito que está, dando atenção mais à geografia humana que cerca Johnny/Jesse James, Cassavetes faz do filme uma interessante crônica da vida de alto padrão na Califórnia.
E é aí que Alpha Dog começa a procurar explicações para o desajuste social que se abate sobre os jovens californianos. Partindo de uma evidência - os excessos em geral, as drogas em particular, estão à disposição de todos - buscasse a causa. Há momentos emblemáticos, como quando a menina, indignada com o sequestro, vai pedir ajuda à sua mãe, que não tem tempo de ouvir porque está chapada de ecstasy, trancada no quarto com o marido, no seu aniversário de casamento.
Nesse contexto, a câmera tem uma certa "alergia" é figura de Truelove, como se ele já estivesse aprendendo a viver em fuga. Ganha espaço o personagem de Timberlake. É muito possível que Cassavetes tenha notado já no meio das filmagens que o ex-'NSync leva jeito para o cinema, por isso deu mais tempo de tela ao novato. Ou então viu que Frankie, o personagem, é a personificação perfeita do garoto que se vê arrastado pela situação sem ter tempo para medi-la, e, como tal, é figura essencial à proposta do filme.
Não é fácil trafegar no meio desse tema, no meio de um discurso de júris e julgados - é só pegar, como exemplo, as obras de Larry Clark (Kids, Bully, Ken Park) para perceber que basta um passo para condenar sumariamente os personagens por aquilo que eles não têm como controlar. Nick Cassavetes, filho do grande John, já passou pelo desafio do melodrama no subestimado Diário de uma paixão, e aqui atravessa dignamente o espinhoso gênero da denúncia social.
O segredo está no olhar, saber identificar nos detalhes os sintomas desse desvio sociocultural. A cena mais impactante do filme não é um tiro à queima-roupa ou uma nudez. É a hora em que a câmera fecha o close-up numa Sharon Stone maquiada, lamentando a desgraça da família, mas tentando sorrir enquanto chora, mantendo as aparências grotescamente como uma plastificada loira californiana. Cassavetes não é nenhum gênio, mas ele sabe extrair significados de uma imagem, e isso é cada vez mais raro.