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Café da Manhã em Plutão

Café da manhã em Plutão

10.08.2006, às 00H00.
Atualizada em 21.09.2014, ÀS 13H18

Café da manhã em Plutão
Breakfast on Pluto
Inglaterra/Irlanda, 2005
Drama/Comédia - 129 min.

Direção: Neil Jordan
Roteiro: Neil Jordan

Elenco: Cillian Murphy, Liam Neeson, Ruth Negga, Laurence Kinlan, Stephen Rea, Brendan Gleeson

O cineasta irlandês Neil Jordan (Lance de sorte) conseguiu seus trabalhos mais relevantes em tramas que envolvem personagens homossexuais, como Traídos pelo desejo (1992) e Entrevista com o vampiro (1994). Em Café da manhã em Plutão (Breakfast on Pluto, 2005) ele retorna a esse tipo de figura dramática - e consegue realizar o melhor filme de sua carreira.

O filme se baseia no livro homônimo de Patrick McCabe, autor também de The Butcher Boy - livro que Jordan adaptou em 1997. A história se passa na Irlanda conturbada da década de 70. Ao nascer, Patrick (Cillian Murphy, o Espantalho de Batman Begins) foi abandonado na porta de uma igreja por sua mãe. Adotado por uma família local, ele trouxe desgosto à casa devido a seu interesse constante por artigos exclusivamente femininos. Com seu jeito afetado, só conseguia a simpatia de outros excluídos sociais de seu bairro tradicional: uma negra, um pseudo-terrorista do IRA, um garoto com Síndrome de Down.

Na adolescência, Patrick resolve procurar seus pais verdadeiros. A mãe que nunca conheceu, na sua imaginação de contos-de-fada, é A Dama Fantasma. Quanto mais investiga, mais ele se surpreende com sua história. A descoberta é proporcional à transformação: Patrick sai do armário e se assume mulher.

Jordan sempre lidou com personagens que precisam lutar a cada dia para provar quem são. Por isso, a sua preferência pelos marginalizados. É através dessa quebra de valores arcaicos que ele constrói sua crítica social, sempre pautada por altas doses de humor, mesmo em seqüências que normalmente fariam o espectador sentir um nó na garganta. A violência sempre é combatida com ironia. Em sua narrativa encontramos milagres, imaginação e beleza.

Por mais pesado que o tema possa parecer, Jordan consegue suavizá-lo com elementos de fantasia. Dois passarinhos fofoqueiros servem de narradores em várias partes da história. Patrick vê o mundo através do olhar de um inocente. Tudo para ele é cor-de-rosa. O mais surreal é que, entre as disputas políticas e civis de Irlanda e Inglaterra na época, a coisa está mais sombria no que nunca. Para piorar, o jeito andrógino do pária atrai ainda mais animosidade.

Ao ir em busca de sua mãe, Patrick acaba conhecendo gente de tudo que é tipo. Alguns ficam fascinados, outros só sentem repulsa. É nesse momento que o filme dá lugar a várias participações especiais. Liam Neeson, Stephen Rea, Brendan Gleeson, Ian Hart e cantor Bryan Ferry são uma grata surpresa para o público. Mas com certeza o filme é de Cillian Murphy. Ele está genial, incorporando com extremo talento a figura complexa do personagem. Muito da força de Café da manhã em Plutão reside na interpretação, digna de Oscar, do protagonista.

Como no livro, as desventuras de Patrick são contadas em 36 capítulos. A montagem sutil dá um ritmo ágil e agradável às duas horas de duração. A ótima trilha sonora, que reúne bandas e músicos como Bobby Goldsboro, Cole Porter, Harry Nilsson, Dusty Springfield, T-Rex, Kris Kristofferson, Patti Page, Buffalo Springfield e Van Morrison, entre outros, envolve ainda mais o espectador, criando uma espantosa empatia com o protagonista.

Combinando naturalismo com fantasia, Neil Jordan realiza uma pequena obra-prima. Um dos personagens da trama, Billy Rock, define essa mistura, com precisão, na letra de uma de suas músicas. Segundo o refrão da música, que cita o desjejum estelar do título, devemos viajar o mais longe possível se quisermos encontrar novas experiências. E não existe distância maior que a jornada de Patrick.