Adam Driver tem uma resposta na ponta da língua quando perguntado o que sabia sobre a família Gucci, fundadora do império fashion de mesmo nome, antes de conseguir o papel de Maurizio em Casa Gucci: “Absolutamente nada”. Em conversa com o Omelete, o ator de Star Wars e seus colegas de elenco contam como foi trazer essa excêntrica dinastia para os cinemas, e tudo começa com a direção igualmente incomum de Ridley Scott.
“Ridley me disse que vê o filme como uma peça de três atos, e a forma como ele estruturou as gravações foi mais teatral do que cinematográfica”, explica Driver. “Ele usava tantas câmeras ao mesmo tempo que você meio que esquecia onde elas estavam - às vezes eu estava no meio de uma cena e, quando levantava a cabeça, era surpreendido por toda a equipe de câmera ali, coberta por uma enorme lona preta. Isso faz com que você não fique prestando atenção ao ângulo em que está sendo filmado, e é como fazer teatro ao ar livre”.
Adam Driver e Lady Gaga em cena de Casa Gucci (Reprodução)
Como o próprio Driver admite, o seu Maurizio começa o filme “muito realizado”. A caminho de uma formação em direito, ele não demonstra nenhum interesse em ter um papel mais ativo no império de moda da família. Isso muda quando ele conhece Patrizia Reggiani (Lady Gaga), “uma criatura maravilhosa” - nas palavras de Driver -, com quem se casa. “Sua vida toma um caminho bem diferente do que ele imaginava. E Maurizio não volta a si mesmo até o final, mas aí, é claro, já é tarde demais”, comenta.
O ator se refere ao assassinato de Maurizio em 1995, aos 46 anos de idade. O empresário foi baleado na entrada do seu escritório por um assassino contratado por Patrizia - de quem, àquela altura, já estava divorciado. Em 1998, ela foi condenada pelo crime e sentenciada a 29 anos de prisão, dos quais serviu 18 antes de ser libertada por bom comportamento, em 2016.
Tirando os fatos básicos do caso e os detalhes que estão no livro de Sara Gay Forden, no qual o roteiro de Casa Gucci foi baseado, Driver admite não ter feito muita pesquisa sobre Maurizio: “Quando interpretei pessoas reais em projetos anteriores, descobri que você só pode fazer uma quantidade limitada de pesquisa. É preciso se apegar a detalhes que abrem a sua imaginação, mas também ignorar detalhes que parecem opressivos. Você não pode sentir que tem que ser fiel a uma coisa ou outra, porque isso te limita”.
“Ridley fez esse filme porque sua esposa mandou”
Jeremy Irons como Rodolfo em Casa Gucci (Reprodução)
No início do filme, a jornada de Maurizio é definida também por sua relação complicada com o pai, Rodolfo Gucci. Apesar de não ter um tempo de tela extenso, o veterano Jeremy Irons deixa uma marca indelével no filme ao viver Rodolfo, que ele define como “um homem triste e retrógrado, que errou ao tentar controlar o seu filho, um jovem que ele amava muito”.
“Rodolfo está sempre olhando para trás, para uma vida que já foi glamourosa, quando sua esposa estava viva e eles estavam envolvidos no showbusiness, em Hollywood”, comenta Irons. “Ele diz que as peças da Gucci pertencem a um museu, então podemos perceber que não era um homem que estava pensando à frente - ele vivia de conforto, e se sentia mais do que feliz descansando nos louros italianos do passado”.
Irons, que já trabalhou com Ridley Scott em Cruzada (2005), tem alguma ideia do motivo pelo qual o velho amigo resolveu dirigir Casa Gucci: “Ele fez esse filme porque sua esposa disse a ele para fazer. [Giannina Scott, produtora do longa] está tentando fazer esse projeto decolar há 20 anos, então acho que finalmente ela virou para ele e disse: ‘Se você quer que eu continue aqui, faça isso acontecer’”.
A confiança prévia entre o ator e o cineasta foi essencial para construir a dinâmica entre Rodolfo e Maurizio no set, especialmente com o ritmo acelerado de filmagens pelo qual Scott é conhecido - em entrevista recente ao Deadline, por exemplo, o diretor disse que terminou Casa Gucci em 42 dias, e entregou o longa ao estúdio US$ 5 milhões abaixo do orçamento, algo raro na Hollywood dos excessos que vemos atualmente.
“Eu e Adam trabalhamos nossa relação na frente das câmeras, não conversamos muito antes. Ele sabia de onde o personagem dele estava vindo, e eu sabia de onde o meu estava vindo, e a dinâmica entre eles não é tão incomum entre pais e filhos. A chance de trabalhar com Adam foi fantástica, eu tenho me maravilhado com o talento dele há tempos, então o que ele me deu em cena eu rebati”, explica Irons. “Mas, no que toca a mim, faria Lista Telefônica: O Filme com Ridley se ele me pedisse”.
“Devia ter usado uma fralda no set”
Jared Leto como Paolo em Casa Gucci (Reprodução)
Jared Leto gosta da ideia dada pelo colega de elenco: “Eu definitivamente veria Lista Telefônica: O Filme, dirigido por Ridley Scott e estrelado por Jeremy Irons”. Durante a conversa com o Omelete, o vencedor do Oscar constantemente expressa a sua quase descrença com a estatura do elenco de Casa Gucci.
“Fico feliz que meu personagem tenha sido tão desafiador, porque assim não tive tempo para parar e perceber que estava trabalhando com Lady Gaga, Adam Driver, Al Pacino e Jeremy Irons, que eu conheci no meu primeiro dia no set”, comenta. “Pensando nisso agora, talvez eu devesse ter usado uma fralda nas filmagens”.
O bom humor de Leto combina com o personagem que interpreta no filme, Paolo Gucci. Ele é sem dúvida a figura mais colorida de uma família quase toda composta por tipos excêntricos - com ambições de lançar a sua própria linha fashion, Paolo é quase um daqueles perdedores amáveis, uma alma sensível e incompreendida. Para ficar com a careca e o rosto redondo do personagem, Leto passava por uma transformação de 6h todas as manhãs no departamento de maquiagem da produção de Gucci.
“Usei esse tempo para trabalhar a vida emocional do meu personagem, porque uma máscara não significa nada sem isso”, reflete o ator. “Acho que poderia interpretar Paolo sem a transformação física, mas não se não o entendesse internamente. Percebi que tinha uma oportunidade incrível com esse personagem, então fiz o meu melhor para não decepcionar ninguém. Além disso, Paolo era alguém muito prolixo, então fizemos bastante improvisação dentro das cenas, o que foi muito divertido”.
“Lady Gaga sabia tudo!”
Salma Hayek como Pina em Casa Gucci (Reprodução)
Quem também parece ter se esbaldado nas filmagens de Casa Gucci foi Salma Hayek, que interpreta a vidente Pina Auriemma. Após conhecer Patrizia através de um anúncio na TV, ela se torna confidente da protagonista, e eventualmente facilita a contratação dos assassinos de aluguel que matam Maurizio Gucci. A relação entre as duas, meio codependente e meio pautada por interesse, foi construída muito além das cenas que foram parar na versão final do longa.
“Eu fiz um pouco de pesquisa - mas, sinceramente, trapaceei um pouco, porque Lady Gaga sabia tudo! Eu simplesmente ouvia ela falar”, brinca Salma. “Então construí Pina ao redor de Patrizia, porque é uma personagem com pouco tempo de tela, não contamos toda a história dela. Nós duas trabalhamos muito em um relacionamento mais completo entre elas, que você não necessariamente vê no filme. Pina começa como uma vidente, querendo dinheiro, e percebe que Patrizia será grande - mas acaba também se apaixonando por ela”.
Camille Cottin como Paola em Casa Gucci (Reprodução)
A experiência de Camille Cottin não foi tão diferente. Embora apareça mais na parte final do filme, ela gravou suas cenas como Paola Franchi, a mulher com quem Maurizio foi morar após sua separação de Patrizia, no início da agenda de filmagens. “O meu primeiro dia foi também o primeiro dia [de Driver e Gaga], o que fez com que fosse interessante construir essa dinâmica entre nós três”, declara.
Embora defina Paola como “uma mulher de poucas palavras”, estoica em sua aceitação do status marital confuso de Maurizio (o divórcio do casal se arrastou por anos e foi finalizado meses antes da morte dele), Cottin a considera também alguém que deixa uma impressão forte por onde passa. “Eu precisava chegar na história carregando todo esse passado comigo, e deixando muito claro o quanto Paola era diferente de Patrizia. Os figurinos ajudam nisso - ela está sempre de branco, algo simbólico, porque nunca é realmente a noiva. Ela passou a vida como a esposa ilegítima”, conta.
“É o que um italiano diria”
Lady Gaga como Patrizia em Casa Gucci (Reprodução)
Como um todo, o elenco de Casa Gucci descreve a experiência de fazer o filme de Ridley Scott como um exercício de altruísmo. “Quando você está trabalhando com grandes atores, precisa chegar ao set com a sua pesquisa pronta, mas estar aberto a ideias melhores que alguma outra pessoa pode trazer no momento”, aponta Adam Driver. “Este elenco tem isso em comum: todo mundo está preparado, todo mundo é pontual, e todo mundo está bem ensaiado, mas todo mundo também parece muito disposto a jogar tudo isso fora em serviço da ideia de outra pessoa”.
Para o intérprete de Maurizio, isso é uma vantagem: “É muito mais divertido estar em cena e ser surpreendido, e a forma como Ridley fez este filme foi desenhada para encorajar essa espontaneidade. Não existe isso de ficar 30 minutos focando em um ator, para depois do almoço ficar 30 minutos focando em outro. Ele nos deixa na ponta dos pés o tempo todo”.
A própria Lady Gaga conjura uma imagem mais vívida para definir o dia a dia no set. “Não consigo dizer coisas incríveis o bastante sobre esse elenco - foi um prazer trabalhar com Adam todos os dias, e com todos os outros atores, porque cada um deles se esforçou para fazer desse o melhor filme possível. Acho que raspamos o fundo da panela e fizemos um bom molho todos os dias”, comenta ela, complementando com um sorriso autorreferente. “É isso que um italiano diria”.