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Como as artes marciais salvaram Robert Downey Jr.

Conversamos com Eric Oram, mestre do ator no Wing Chun

16.09.2015, às 17H50.
Atualizada em 23.08.2019, ÀS 17H19

Quando Jon Favreau teve a ideia de escalar Robert Downey Jr. para o papel de Tony Stark na adaptação ao cinema de Homem de Ferro, a Marvel torceu o nariz. Em 2008, o ator, sóbrio desde 2003, ainda carregava o peso dos seus muitos erros e era considerado uma contratação de risco - que aumentava consideravelmente o preço da apólice de seguro de qualquer produção.

Favreau precisou fazer campanha, argumentando que Downey Jr. seria para Homem de Ferro a mesma coisa que Johnny Depp foi para Piratas do Caribe: um protagonista que eleva a qualidade e aumenta o interesse público no filme. O ator fez teste para o papel (veja abaixo), algo que estava longe da sua rotina desde Chaplin (1992), a interpretação que rendeu sua primeira indicação ao Oscar. "Você diz não se não quer o trabalho. Se você quer o trabalho, você fará tudo o que é necessário para conseguí-lo", explicou na época Downey Jr., que investiu em um terno de corte inglês e botas com salto para parecer "um pouco mais charmoso, um pouco mais alto".

Depois de Tony Stark, as coisas mudaram completamente para o ator, que antes ia aos poucos reconstruindo sua carreira em produções independentes e oportunidades dadas por amigos - como o personagem em Trovão Tropical, de Ben Stiller, que lhe garantiu uma indicação ao Oscar como Melhor Ator Coadjuvante. Logo depois veio o papel principal em Sherlock Holmes (2010) e Downey Jr., que passara anos indo e voltando de centros de reabilitação e da prisão, que chegou a orquestrar sua volta no início dos anos 2000 com um aclamado papel em Ally McBeal e perdeu tudo por uma recaída, se tornou o astro mais bem pago de Hollywood, figurando no topo da lista da Forbes por três anos seguidos.

Esse sucesso, porém, foi fruto de um longo processo de cura, que envolveu programas de recuperação para dependentes químicos, terapia, meditação, apoio da família, yoga e Wing Chun, arte marcial chinesa que ficou conhecida no mundo pelos golpes de Bruce Lee e foca na reposta, usando a força do oponente. Praticante desde 2003, Downey Jr.vem sendo acompanhado desde então pelo mestre (ou Sifu) Eric Oram, figura central na sua recuperação e que hoje serve como consultor de lutas em todos os seus filmes (tanto na Marvel quanto em Sherlock Holmes). Em entrevista ao Omelete, Oram conta o quanto a história de Downey Jr. tem em comum com a de Tony Stark:

"Acho que o Wing Chun ajudou Robert na formação daquele personagem, Tony Stark/ Homem de Ferro, no sentido de que, por um lado, Tony Stark precisa se transformar. Ele começa a vida em um ponto, passa por uma crise e essa crise exige uma mudança, uma troca interna. E essa troca o coloca em uma disciplina física para forjar a si mesmo em um guerreiro, o que se cristaliza na forma da armadura. E isso foi um ótimo paralelo com Robert se tornando mais forte internamente. Esse foco, essa disciplina, essa determinação, criou um tipo de desenvolvimento que acho que o permitiu olhar para aquele personagem, Tony Stark, e concluir 'sim, posso me relacionar com isso. Fui a borboleta que teve que abrir meu caminho pelo casulo'. Ele pareceu se identificar com isso, com aquele personagem e a sua jornada. Acredito que ele sentiu um paralelo forte entre ele e o arco de Tony Stark".

Essa disciplina, responsável por canalizar uma personalidade agitada, potencializou a sua capacidade de improvisação - fator que fez com que o ator transformasse Homem de Ferro de personagem B do portfólio da Marvel para o principal astro da Casa das Ideias no cinema. Hoje, Downey Jr. tem a habilidade de proferir diálogos e piadas como os lutadores tem para desferir golpes, como explica Oram:

"A espontaneidade é um acessório que precisa só ser canalizado e guiado pela perspectiva de uma estratégia de certos princípios. Certamente isso acontece com algo como o Wing Chun, ou qualquer tipo de combate físico. Se eu sei os princípios, eu sei a estratégia, eu tenho as técnicas físicas para executá-las, agora eu, mentalmente, me volto para a situação e isso basicamente se torna uma improvisação de momento para momento. Não estou pensando constantemente 'vou fazer isso, vou fazer aquilo'. Deixo a resposta dos oponentes despertar qual será a minha reação e, dependendo da situação, isso pode despertar algo completamente espontâneo que eu não tenha treinado especificamente para isso, mas saí do treinamento e se manifesta de uma forma nova baseado em onde eu estou, no ambiente, o que está ao meu redor que posso integrar a situação, se há uma piscina, se estou em uma sala de jantar, ou na cozinha, ou na estrada, quaisquer que sejam as circunstâncias. Então no caso de Robert Downey Jr., àquela espontaneidade, que ele obviamente já tinha, nós adicionamos uma dose completa de estrutura, disciplina, foco, estratégia...Juntando essas qualidades, ele pode realmente se liberar, ele fica realmente muito confortável em uma situação aleatória, de treinamento de reflexos, quando ele não sabe exatamente o que vai sair. Ele está confortável em lidar com esse tipo de espontaneidade de momento para momento por conta desse plano. Uma vez que passamos por essa estrutura e ele saiu do outro lado, ele não precisa mais pensar a respeito, ele pode simplesmente aproveitar a sua espontaneidade natural, ficando bastante confortável naquele momento".

Durante as filmagens, seja de Vingadores: Era de Ultron ou do ainda inédito Capitão América: Guerra Civil, Oram conta que esse treinamento ganha intensidade: "Treinamos no mínimo 3 vezes por semana apenas no treinamento de combate. Então o treinamento físico, qualquer ensaio coreográfico, tudo isso é adicionado ao treino que fazemos de qualquer maneira. É quando fica mais intenso, tanto mentalmente quanto fisicamente, e energético. E aí entra o lado criativo também, tentando ver qual é a melhor forma de abordar aquilo fisicamente para tornar tudo mais interessante e ainda ajudar o arco do personagem", conta o mestre, que acompanhou o processo de evolução das armaduras do Homem de Ferro, desde o o primeiro filme: "As versões originais eram bem limitadoras, mas a cada experiência aprendemos algumas lições. Não apenas nós, mas a equipe de efeitos visuais. Além disso, a colaboração entre a equipe de efeitos visuais, de efeitos por computação gráfica, o departamento de dublês e os atores, ajudaram a criar algo que facilita o trabalho de todos. Ajuda os efeitos visuais se pudermos fazer tudo com uma armadura prática, mas isso restringe os movimentos do ator e das cenas de ação. E se formos pelo outro lado, em que só usamos uma roupa de captura de movimentos, isso dá mais liberdade para o ator, mas a equipe de efeitos visuais precisa trabalhar mais. Mas a busca pelo o equilíbrio entre a armadura e a liberdade de movimentos foi mudando aos poucos a cada filme e sinto que depois de Vingadores: Era de Ultron e Capitão América Guerra Civil eles encontraram um bom equilíbrio para isso".

O Wing Chun pode não ter sido o único fator na recuperação de Robert Downey Jr., mas certamente foi um dos mais importantes. Além disso, a disciplina, que mantém o ator sóbrio e funcional, também deu longevidade para quem perdeu tanto tempo. Hoje, aos 50 anos, o astro parece tão ou mais capaz fisicamente do que na juventude, o que eleva as esperanças dos fãs de que Capitão América: Guerra Civil não seja a sua última aparição como Tony Stark: "Robert tem sido tão disciplinado nos 12 anos que estamos treinando, com o seu condicionamento físico, seu treinamento de musculação, além do treinamento em artes marciais comigo. Essa consistência estabeleceu uma fundação que nos permite levar as coisas ao limite constantemente. Temos feito isso consistentemente desde que começamos a treinar. Por conta dessa consistência, ele continua a operar em um alto nível fisicamente e não mostra sinais de que vai se cansar tão cedo", promete Oram.

Robert Downey Jr. e Eric Oram