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2046 - Os Segredos do Amor | Crítica

2046 - Os segredos do amor

05.01.2006, às 00H00.
Atualizada em 21.09.2014, ÀS 13H19
2046 - Os segredos do amor (2046)
China/França/Alemanha
/Hong Kong, 2004
Romance/Ficção - 130 min

Direção: Wong Kar Wai
Roteiro: Wong Kar Wai

Elenco: Tony Leung Chiu-Wai, Gong Li, Takuya Kimura, Faye Wong, Zhang Ziyi, Carina Lau, Chang Chen, Maggie Cheung

2046: o número de um quarto de hotel; o ano que guarda memórias perdidas e em que tudo permanecerá intocado; um filme de Wong Kar-wai... 2046: dele não é possível voltar e a ele só se chega por meio de um trem especial. 2046: ano que marcará o fim do período de 49 anos de auto-regulação imposto pela Inglaterra para a devolução de Hong Kong à China (em julho de 1997). Data em que a liberdade política e econômica da antiga colônia britânica chegará ao fim.

Visto pelo significado histórico do número que dá origem ao título, o novo filme do cineasta se torna ainda mais pungente e melancólico. Fica também mais difícil afastar a associação quase óbvia das sensações que ele provoca aos sabores agridoces de um bom prato da culinária chinesa tradicional. Amargo e ligeiramente doce, como a saudade que Kar-wai já sente do país em que nasceu e que vê, pouco a pouco, desaparecer.

Como um marido às portas da viuvez, sentado no leito de morte da amada, o diretor recupera as memórias que estarão perdidas quando o fatídico ano chegar. Em sua contagem regressiva, retorna aos anos 60 de sua infância, onde reencontra Mr. Chow , o protagonista de sua última obra, Amor à Flor da Pele (In the Mood for Love, 2000). Para reproduzir a maneira que via o mundo naquela época, posiciona a câmera na mesma altura de um menino de 8 anos, o que talvez explique o encantamento que se renova a cada quadro.

O personagem, interpretado magistralmente por Tony Leung Chiu-wai , é um jornalista que vive um amor platônico com a vizinha para, tempos depois, descobrir que o marido dela é também o amante de sua mulher. Aquele homem assolado pela traição e pela impossibilidade do amor verdadeiro já não marca presença nas cenas deste novo filme. Trocou a angústia dos desejos não consumados pelo jogo, pela bebida e pelo amor fugaz das concubinas, dançarinas e prostitutas que perfumam os salões onde ele agora passa as suas noites.

Ele tem agora uma nova ocupação: trocou as notícias por livros baratos de ficção — de onde vêm os muitos saltos no tempo que marcam esta história. 2046 é também o nome do romance futurista que Chow escreve, auxiliado pela filha do proprietário do hotel onde mora. As personagens são inspiradas em suas amantes e as projeções que faz da realidade trazem, nas entrelinhas, o lamento de Kar-wai pelo que está por vir.

Neste futuro imaginado, fala-se japonês. O país cuja sanha conquistadora tanto oprimiu Hong Kong impôs-se não apenas em seu idioma, mas também na estética: roupas, rostos e ambientes remetem à estética dos animês. A fragilidade escondida na beleza altiva das mulheres dos anos 60 — com seus cheongmais (vestidos tradicionais chineses) bordados, altíssimos sapatos de salto agulha e unhas pintadas de vermelho vivo — deu lugar à frieza e aos olhares embotados de garotas-andróides, cujos vestidos são marcados por trapos sobrepostos. E, surpreendentemente, o que um homem pode fazer de mais terrível a uma mulher é por ela se apaixonar.

Não cabe destacar aqui o desenvolvimento do enredo, nem mesmo apontar algumas de suas muitas cenas memoráveis. Em 2046, o apuro estético, a intensidade das cores, a perfeição da trilha sonora e a atitude contemplativa dos personagens retornam ainda melhores do que em Amor à Flor da Pele . O fascínio do diretor pela beleza feminina fica mais evidente e a paixão com que as vê se transfere de maneira inevitável para os olhos do espectador. As atrizes são lindíssimas, apaixonantes e despertam não apenas o desejo dos homens, mas também (acredite!) o das mulheres, que adorariam se parecer com elas — proeza que até então só o italiano Bertolucci era capaz de realizar.

O filme, com suas duas horas e quinze minutos de duração é deleite garantido para os grandes fãs do diretor. Os que tomam contato com este universo pela primeira vez poderão se aborrecer com o ritmo, com as sutilezas que marcam suas idas e vindas e, claro, com o tempo que terão de passar na sala escura. Para esses últimos cabe uma frase de Mr. Chow: "o amor é uma questão de timing : de nada vale encontrar a pessoa certa muito cedo ou muito tarde". Para os primeiros, cabe uma outra: "você não pode deixar 2046, tudo o que pode fazer é esperar que deixe você" — coisa que, a esta repórter, jamais irá acontecer.

Nota do Crítico
Ótimo