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Houve um tempo em que ver o nome da Amblin Entertainment nos créditos iniciais de um filme era garantia de diversão. A produtora de Steven Spielberg criou algumas das melhores comédias de aventura dos anos 80, como Gremlins (1984), Os Goonies (1985), De volta para o futuro (1985) e Uma Cilada para Roger Rabbit (1988). Seu segredo: equilibrar ingenuidade com senso de descoberta. Os personagens típicos da Amblin são curiosos incorrigíveis - e em A Casa Monstro também são. Desde 1998, com Pequenos Guerreiros, a companhia não produzia um filme infantil tão decente - no sentido de oferecer entretenimento de primeira linha, com alguns lampejos de genialidade, sem menosprezar a inteligência dos pequenos.
Na história, escrita por Pamela Pettler (Noiva cadáver) e pela dupla Dan Harmon e Rob Schrab, as duas calçadas de uma rua residencial bastam para hospedar a aventura. De um lado, o retraído D.J. observa da janela do seu quarto o que acontece no vizinho, casa soturna do caquético Sr. Epaminondas (Nebbercracker no original, muito bem dublado por Steve Buscemi). Basta relar na grama do seu jardim para que o velho se enfureça. D.J. não perde a conta - pela manhã, véspera de Halloween, ele já destruiu o terceiro triciclo que passou por ali. Alguém precisa fazer alguma coisa.
D.J., claro, tem um amigo gordo, Chowder. Nesse tipo de filme o amigo gordo serve, basicamente, para fazer as burradas que movem a trama adiante. A bola de basquete de Chowder cai no gramado de Epaminondas. Quando tenta pegá-la, D.J. é surpreendido pelo vizinho. No meio da confusão, o velho cai duro no chão. Será que morreu? Vivo ou não, o fato é que sem seu dono a casa cria vida própria, do tipo que devora os passantes. E ela não gosta, particularmente, do moleque que mora do outro lado da rua... É ótimo constatar que ainda há realizadores capazes de contar uma boa história em um espaço tão limitado. Estabelecer tensão entre as duas calçadas, definir muito bem o que difere o mundo de D.J. do mundo de Epaminondas, são as primeiras qualidades da animação computadorizada. Curiosamente, é o primeiro trabalho como diretor de Gil Kenan. O animador tem olho de cineasta - as perspectivas (repare no ponto de vista do arcade, na cena do nerd Skull), as profundidades, as câmeras que pegam closes em momentos inusitados, os planos que se alongam para dar graça a uma cena... Kenan pensa o cinema antes de pensar a animação, e não é sempre que se acha um profissional da área com esse perfil.
Foi feliz a decisão do produtor Robert Zemeckis de empregar a tecnologia de captura de movimentos criada para O expresso polar (2004), mas não delinear demais os traços físicos dos atores e atrizes. No filme de 2004 isso dava aos personagens, apesar de mais realistas, aquele olhar de peixe morto. A Casa Monstro confia mais na estilização. Com jeito de caricatura, os seus personagens ficam mais simpáticos - e, afinal, se encaixam perfeitamente nos tipos que lhe foram desenhados: do garoto tímido, do amigo gordo, do velho ranheta.
Não é o caso de denunciar a tipificação dos personagens como se fosse um clichê (ah, sempre tem o amigo gordo!, daria pra dizer). Enquadrá-los nesses papéis consagrados é uma forma de facilitar a identificação com o espectador. E, no final das contas, as crianças dos anos 1980 e 2000 não são assim tão diferentes - dizem para si mesmas que querem crescer, implicam com os adultos que os tratam infantilmente, mas se agarram às brincadeiras quando percebem, sim, que a infância está passando. O essencial, vale repetir, é equilibrar a curiosidade, e nesse sentido D.J. e Chowder caberiam facilmente no grupo dos Goonies - um filme, aliás, que virou clássico do seu tempo, entre outras coisas, pela tipificação dos personagens. Tirando toda essa elucubração, se você precisa de mais motivos para assistir a A Casa Monstro (além do visual impecável e da narrativa segura), vá pelos coadjuvantes: Bones, Skull, os policiais, a garotinha do triciclo... São eles - e esse é segredo de filmes presos a protagonistas tipificados - que respondem pelo diferencial e que dão personalidade ao negócio. Se você é do tipo que sempre escolhe o coadjuvante-comédia como boneco para colecionar, sabe do que estou falando.