Não é surpreendente que em A Fera, filme em que Idris Elba enfrenta um leão com sede de sangue, o protagonista lide com problemas mal-resolvidos com sua ex-esposa (que morreu de câncer), e precise reatar um relacionamento com suas duas filhas adolescentes. É a fórmula familiar dos thrillers de sobrevivência, em uma trama que remete imediatamente a Tubarão, passa por momentos de Cujo e termina com gosto de O Inferno de Dante. Mas fórmulas são fórmulas porque funcionam. E Idris Elba vs. leão é uma premissa imediatamente atraente, da qual a direção de Baltasar Kormákur sabe tirar proveito. A Fera é uma viagem envolvente e bonita de assistir.
Kormákur desenrola e abusa da fórmula muito bem, desde o estabelecimento da trama - a viagem do Dr. Nate Samuels com suas duas filhas para a África do Sul, forma de resgate das raízes da mãe das garotas - até a introdução da ameaça que, de início, aprisiona os protagonistas em um carro enguiçado. A preparação deste universo vem do carismático personagem de Sharlto Copley, Martin, amigo de infância de Nate, aqui fazendo o papel de experiente na savana, amigo dos leões e aliado da família, sem o qual tudo ficaria (e claro, ficará) muito mais difícil.
Para completar uma trama simples bem construída, A Fera realiza a proeza de nunca tropeçar em mensagens confusas: aqui, o Doutor e suas filhas são peças descartáveis em um cenário em que a natureza é a verdadeira vítima. Desde o início, A Fera faz questão de abordar a caça ilegal e as duvidosas maneiras de lidar com ela. Claro que nosso gigante leão-da-barbárie é vítima de caçadores, e representa aquela conhecida vingança da natureza.
Enquanto a memória de Tubarão é presente no início do filme, porque Kormákur se delicia na antecipação da aparição da criatura, faz mistério quanto ao seu tamanho real e constrói uma personalidade sobrenatural para o felino, que persiste em assassinar humanos sem o menor interesse em alimentação, a claustrofobia do clímax do filme de Spielberg é deixada para trás quando A Fera amplia seu horizonte para uma coisa mais grandiosa. Apesar da família Samuels estar presa em um carro por boa parte do filme, Kormákur sempre preenche a tela com belíssimas paisagens da savana, onde a trilha sonora de Steven Prince complementa o contraste com clima de solenidade.
Onde A Fera poderia deslizar, o CGI utilizado para a construção do leão, Kormákur desvia com destreza, sem nunca se prolongar na imagem do oponente, e encarando-o de frente apenas quando necessário. Elba, claro, nunca decepciona, e é fonte de carisma imediato, mas as duas adolescentes que o acompanham na jornada - Iyana Halley e Leah Jeffries - são dignas da companhia, e sabem como apostar na personalidade irritante de filhas rancorosas sem perder a mão.
Nada aqui é revolucionário - talvez o fato das filhas não sofrerem de asma seja o aspecto mais surpreendente para um filme de sobrevivência tão bem regradinho -, mas só cínicos poderiam acompanhar um filme familiar do gênero com expectativa de twist. Não é para isso que estamos aqui. A Fera realiza tudo que precisa, e entrega uma viagem de ação eletrizante, sim, mas que chega com o coração cheio de sentimento e encerra sua jornada de forma tocante.