Quando A Garota no Trem virou um fenômeno editorial (inclusive no Brasil), sua adaptação cinematográfica já era mais do que esperada. Com claras inspirações no thriller "Garota Exemplar", o enredo de Paula Hawkins poderia ser um sopro de ar fresco para o público, mas o roteiro repleto de furos fez com que o suspense não alcançasse todo o seu potencial.
A roteirista Erin Cressida Wilson (responsável também pela adaptação de Homens, Mulheres e Filhos) ficou responsável pela árdua missão de transpor o material original repleto de mistério para o cinema. A trama apresenta o ponto de vista de três mulheres: Rachel (Emily Blunt), divorciada e alcoólatra que tem como prazer na sua rotina os momentos em que se locomove de trem; Megan (Haley Bennett), uma recém-casada que mora ao lado da ferrovia e todos os dias é observada e admirada pela primeira; E, por fim, temos Anna (Rebecca Ferguson), que também mora próxima a linha de trem e é a atual esposa de Tom (Justin Theroux), ex-marido de Rachel. Apesar da interligação das três, Rachel se sobressai como fio condutor e, em uma de suas bebedeiras, a mulher se dirige para o endereço onde moram as outras duas e acaba na cena de um crime envolvendo Megan, declarada desaparecida.
Rachel, por conta de seu problema com o álcool, sofre um "apagão" e não lembra de nada do que aconteceu. Ficam então as questões no ar: ela é a culpada? Seria possível termos mais suspeitos? E Anna, por ter tido problemas pessoais com Rachel no passado, estaria induzindo a polícia a considerá-la como responsável pelo sumiço de Megan? Nesta imensa colcha de retalhos, é necessário que a linha de pensamento das personagens fique muito clara para quem as acompanha. Um dos trunfos da obra original é termos a possibilidade de seguir o passo a passo desta investigação, recebendo detalhes e novas pistas a todo momento, o que instiga a descobrir o que realmente aconteceu e quem foi o autor de tudo isso.
O longa, porém, apresenta uma construção narrativa repleta de furos e em muitas ocasiões não é possível entender como se chegou a determinada conclusão. Os três pontos de vista, que são coesos e bem empregados no livro, receberam uma adaptação confusa e sem linearidade nas telas. Pecando pela falta de foco, o filme deixa de lado o mais importante em uma produção desse gênero: a atmosfera de suspense.
O diretor Tate Taylor utiliza trilhas sonoras dramáticas em excesso e realiza cenas em câmera lenta que deveriam criar momentos de tensão, mas acabam apenas sendo bregas. Vindo dos premiados Histórias Cruzadas e Inverno da Alma, Taylor não domina a arte de realizar um bom thriller, empregando flashbacks que querem forçar a narrativa a parecer complexa e desbocam em um mistério que não encanta.
É importante destacar, porém, que o trio feminino realiza um trabalho formidável na atuação. Com coadjuvantes fracos (oriundos do material original), Emily Blunt, Haley Bennett e Rebecca Ferguson são o motivo para pagar o ingresso. Blunt brilha ainda mais ao retratar o alcoolismo de maneira sincera, com todos os seus altos e baixos.
Temos também como um dos pontos fortes do filme a forma como as protagonistas lidam com seus problemas, principalmente em relação aos seus parceiros. Apesar da trama girar em torno do desaparescimento de Megan, vemos que todas em algum momento sofrem de algum abuso emocional e psicológico, conhecido hoje como gaslighting (em que o abusador desorienta a vítima, fazendo-a duvidar da própria memória). Retratado de forma fiel, é de se admirar a coragem de levar à grandes audiências um assunto por muitas vezes é negligenciado.
Caso procure um entretenimento sem pretensões, o público poderá se contentar com esse suspense, permeado com ares de drama. Longe de ser um novo "Garota Exemplar", A Garota no Trem fica no meio do caminho, na sombra de uma má adaptação.