A Lei da Noite/Warner/Divulgação

Filmes

Crítica

A Lei da Noite | Crítica

Em busca do grande cinema de máfia, Ben Affleck erra a mão em filme solene

21.02.2017, às 18H00.
Atualizada em 01.04.2020, ÀS 10H54

Erguido a cineasta de prestígio depois do Oscar dado a Argo - um filme que já era, por seu próprio tema, uma tentativa de olhar Hollywood por um ponto de vista externo privilegiado - Ben Affleck realiza A Lei da Noite (Live By Night) com a cerimônia dos autores que buscam um lugar na história. É a sombra dos grandes épicos de gângsteres da Nova Hollywood, da era de Coppola e Scorsese, que o ator e diretor persegue aqui.

Apesar do título, e da tentação de emular o barroco de Coppola ou o operístico de Scorsese, A Lei da Noite é um filme solar e diurno que em teoria busca a desafetação, a exemplo de outros suspenses criminais do escritor Dennis Lehane, como Sobre Meninos e Lobos e o próprio Medo da Verdade, estreia de Affleck como diretor. A trama se baseia no livro homônimo que integra a trilogia de Lehane sobre o mafioso Joe Coughlin (vivido por Affleck no filme), filho caçula do proeminente capitão de policia da cidade de Boston. Em A Lei da Noite, depois de tentar sem sucesso levar uma vida de fora da lei na cidade à parte da máfia irlandesa e da italiana, Joe se muda para a Flórida e lá prospera às margens da legalidade, nos últimos dias da Lei Seca.

A Flórida que aparece em A Lei da Noite não seria outra senão o ambiente em ebulição que combina fazendeiros sulistas, mafiosos imigrantes ianques, ex-escravos negros e latinos vindos de Cuba, num frágil arranjo social em que cada um dos lados tenta defender seus interesses e minar os demais - nem sempre movidos por questões meramente comerciais. Nos seus melhores momentos, o filme parece se aproximar de uma trama de máfia às vezes esquecida, Ajuste Final, provavelmente o melhor trabalho até hoje dos irmãos Coen; o parentesco fica nítido à medida em que ambos os longas se tornam uma versão violenta e enredada das velhas comédias screwball, em que o mafioso de bom coração se vê no epicentro de subtramas paralelas, tendo que encontrar uma saída para si e os demais.

Enquanto Ajuste Final aproveitou ao máximo, porém, esse potencial que se confunde com o do humor, A Lei da Noite o dilui na narrativa épica. Não parece coincidência que o filme dos Coen tenha saído no mesmo 1990 de Os Bons Companheiros, o grande filme de máfia que a geração de Affleck assistiu e cuja expansividade mitificadora A Lei da Noite almeja imitar (inclusive colocando o bom ator Max Casella para fazer um sub-Joe Pesci).

Um ponto caro ao cinema da Nova Hollywood, a preparação e a explosão da violência, acaba dando o tom a A Lei da Noite. Porque, justificando o título, tudo tem um peso moral no mundo dos criminosos, e jurar seguir a tal lei da noite significa abrir mão do controle e viver sob as decisões do acaso (uma questão que para os Coen sempre teve um caráter tragicômico). No filme de Affleck, esse pesar, o espectro da violência que ronda os personagens, rende algumas imagens de impacto, como o carro em chamas no lago, mas acaba deixando o filme mais solene do que exatamente grave. Embora se dedique a filmar a morte de um jeito especial, com enquadramentos e movimentos de câmera elegantes que lembram os de Coppola, para deixar registrada a excepcionalidade da violência, Affleck nem sempre consegue extrair disso algo além da teatralização.

O resultado é um filme que busca a desafetação mas termina pálido, como seu protagonista - criado como um tipo pragmático que não se deixa afetar pelos revezes do mundo dos negócios dentro do crime. Affleck nunca transmite plenamente a concretude de que seu personagem se distancia por ter se endurecido pela vida, e sua atuação sem brilho é a manifestação mais imediata da auto-importância que infelizmente impregna A Lei da Noite.

Nota do Crítico
Regular