Dizem por aí que o cinema de gênero de médio orçamento morreu - e, por “morreu”, entenda-se que ele foi enterrado vivo no solo infértil do catálogo dos serviços de streaming, onde esses filmes são depositados quase semanalmente, com pouca ou nenhuma estratégia de divulgação, na esperança de se tornarem hits “orgânicos” (a dura realidade é que, para cada Sob as Águas do Sena,há pelo menos uma dúzia de Jolt: Fúria Fatal). Se esse atestado de óbito confere, no entanto, talvez A Linha da Extinção seja um zumbi, cambaleando na direção dos cinemas nacionais algumas semanas depois de um lançamento limitado nos EUA, com seu orçamento de US$ 18 milhões e e sua dupla de astros (Anthony Mackie e Morena Baccarin) reconhecíveis, mas não muito caros, caminhando por um cenário de sci-fi pós-apocalíptico.
A saber: no roteiro assinado por John Glenn, Jacob Roman e Kenny Ryan (trio de criadores da série SEAL Team, sucesso na TV americana com o mesmo público de NCIS e Law & Order), a Terra foi surpreendida há três anos quando criaturas aterrorizantes emergiram do subsolo, decimando 95% da população humana em questão de semanas, até que os sobreviventes descobriram sua fraqueza: elas não conseguem viver acima de uma altitude específica, de por volta de 2.500 metros. Os humanos restantes se refugiaram em acampamentos no topo de montanhas e regiões elevadas, mas o pai solteiro Will (Mackie) se vê obrigado a colaborar com a cientista Nina (Baccarin) em uma expedição abaixo da tal “linha da extinção” a fim de buscar remédios para seu filho doente.
Ágil em sua 1h30 de metragem, a produção não inova: ou seja, ela cresce e fraqueja justamente onde se espera que esse tipo de filme cresça e fraqueje. Os diálogos, por exemplo, são o calcanhar de Aquiles do texto - se, no primeiro ato, os personagens são reduzidos a veículos de explicação da mitologia, até quando o universo ao redor deles está concretizado permanece algo de duro e inadequado nas trocas entre eles. A Linha de Extinção nunca é mais fraco do que no miolo, quando precisa que a dinâmica entre Will e Nina (e sua terceira companheira de viagem, a teimosa Katie de Maddie Hasson) carregue o filme no carisma. Há muito pouco para se agarrar nesses personagens, até porque o roteiro segura a revelação dos motivos de um deles até o último ato.
Nesse contexto, o elenco tem pouco a fazer a não ser esperar o seu momento de brilhar. É o que faz, especialmente, Baccarin - que, a julgar pelo crédito de produtora-executiva do filme, parece ter se conectado de forma um pouco mais profunda com sua personagem. E é de fato ela que se destaca aqui, se tornando o ponto focal do subtexto que A Linha da Extinção ensaia em seu cenário de sci-fi: é Nina quem insiste que a humanidade não pode ficar escondida para sempre, que precisa lutar para recuperar o “domínio” da Terra, mas também ela que reconhece a natureza que floresceu na nossa ausência. Em uma bela cena perto do final, Baccarin elabora com honestidade essa contradição, o impulso humano de existir e prosperar, mesmo diante de um processo natural antitético a isso.
Se A Linha da Extinção chega ao final com algum pique e alguma boa vontade do espectador, é por esse insight inesperado do último ato - e pela habilidade do diretor George Nolfi (Os Agentes do Destino) em conduzir os momentos de ação. Diante dos recursos limitados ao seu dispor, o cineasta mostra que sabe como e o quanto revelar de seus monstrengos de CGI para garantir que eles permaneçam críveis e temíveis, e o quanto pode esticar cada perseguição antes que sua composição necessariamente básica se torne um incômodo. Com a ajuda providencial do seu montador usual, Joel Vierteel, Nolfi supera as circunstâncias desfavoráveis para criar um thriller sci-fi improvavelmente esguio, propulsivo e convincente.
A parte mais triste do predicamento do filme, e do tipo de produção que ele representa, é que essa realmente é uma sinuca de bico. Estivesse (ou quando estiver, enfim) no catálogo da Netflix ou do Prime Video, A Linha da Extinção talvez encontrasse seu público, embora mais provavelmente ficasse esquecido nos fundos das listas de recomendação dos algoritmos. Nos cinemas desse nosso ano de 2024, no entanto, é quase impossível imaginar que ele seja recebido com algo além de indiferença.