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Crítica

Eficiente, A Morte do Demônio: A Ascensão promete e entrega aflição

Um pouco mais fanfarrão do que o remake de 2013, sequência se estabelece no amor por sua própria franquia

23.09.2024, às 10H49.

A primeira sequência de A Morte do Demônio: A Ascensão é uma de suas mais espertinhas. Imediatamente resgatando um traço icônico da direção de Sam Raimi na franquia, o novo filme apresenta seus créditos iniciais com aquela famosa câmera que se arrasta e avança rápida e ameaçadoramente. Mas de cara algo não parece certo. A imagem é meio definida demais, o movimento, talvez, muito certinho, algo na câmera do diretor Lee Cronin parece apenas emular um sentimento do passado. Quem é fã pode imediatamente estranhar a cena como uma cópia mal-feita de algo tão marcante. Felizmente, o sentimento passa mais rápido do que se imagina: A Ascensão inverte expectativas, revelando não um espírito maligno por trás do movimento, mas um drone controlado por um jovem na floresta.

Além de dar uma piscadela para quem entrou para testemunhar referências à obra mais icônica de Raimi, a sequência inicial do novo Evil Dead também já aponta para sua ambição de modernidade, uma exemplificada, principalmente, pela transposição do cenário tradicional da cabana na floresta para um apartamento na cidade. E por mais que esta empreitada não esteja aliada a uma vontade de inovação - A Ascensão é possivelmente ainda mais fã dos originais do que o remake de 2013 - a viagem funciona muito porque Cronin se mostra capaz de criar um ambiente igualmente claustrofóbico, um movimento surpreendente para um filme que se passa no centro de Los Angeles. 

Possível sequência dos originais, A Ascensão também funciona como reboot, porque, assim como no original, o que coloca as coisas em ação é a descoberta do Livro dos Mortos e a fita com recitações que acordam espíritos malignos. Mas o coração de fã de Cronin deseja mais do que apenas um aceno e faz do novo filme não apenas um filho do reverenciado Evil Dead II, mas da trilogia original como um todo. Aqui, um terremoto em um prédio antigo traz o livro enterrado à tona, e o item acaba nas mãos de uma família que rapidamente vira vítima dos demônios acordados. Na residência, ameaçada pela possessão da matriarca Ellie, a tia Beth e seus três sobrinhos - Bridget, Danny e Cassie - lidam com o cenário insano em uma derrocada absurdamente ensopada em sangue e gore. 

E nesse quesito Cronin faz muito bem absolutamente tudo que se propõe, um feito admirável para uma produção cujas prévias e materiais promocionais prometiam muito. Baseando-se principalmente na aflição, proveniente de cenas com agulhas de tatuagem, raladores de queijo, copos de vidro e por aí vai, A Ascensão é perfeitamente eficiente em fazer o público se contorcer na cadeira. E enquanto sua atmosfera amedrontadora não investe na construção de tensão, isso não é exatamente um deslize. O visual absolutamente macabro poderia apontar para um filme que dá mais medo do que A Ascensão efetivamente dá - mas a falta de sutileza também é parte essencial de Evil Dead. Para equilibrar, Cronin faz jus ao mundo impiedoso em que se insere, outro fator notável para um filme que lida com uma família e crianças pequenas.

O que é curioso em A Ascensão - assim como no remake de 2013, diga-se de passagem -, no entanto, é como o legado de Evil Dead nos cinemas acabou tão calcado no gore e na violência gráfica. A nojeira e os litros de sangue, claro, são parte do que fez a franquia de Raimi tão marcante, mas fato é que a mistura de terror com uma comédia ridícula era ainda mais peculiar. Acima de tudo isso, Evil Dead era o produto de uma direção visivelmente entusiasmada, uma que se provou inigualável com o tempo, principalmente para um nome tão novo na cena. E por mais que Cronin saiba muito bem o que está fazendo (e Fede Álvarez soubesse ainda mais), nenhum dos dois diretores abordou a franquia com algum desejo de deixar uma marca autêntica. Faz sentido, claro - criar filhos de uma franquia, 40 anos depois de seu lançamento, é derivativo por definição.

A Ascensão, na realidade, é um Evil Dead super 2023. Um que não apenas faz parte de um ótimo momento do gênero do terror, mas que também parece querer se provar no uso e abuso de referências. A Ascensão não precisaria de tanto easter egg, mas está tudo lá: acenos em caixas de pizza, frases trazidas de volta, motosserras, chuvas de sangue. O amor de A Ascensão por sua franquia é tanta que Cronin encontra um jeito até de relembrar o controverso e - sejamos honestos, inesquecível - estupro da floresta. 

A Ascensão encaixa-se perfeitamente na linha do tempo de Evil Dead porque por mais que mantenha os elementos narrativos dos anos 80, a promessa de nojeira e alguma fanfarronice, parece também um filho do remake de 2013. O que é inescapável, no entanto, é que ao unir muito do que fez Evil Dead o que ele é hoje, um filme como A Morte do Demônio: A Ascensão inevitavelmente explicita a ausência do Ash de Bruce Campbell e de uma direção única. Reunir os elementos clássicos de um filme clássico pode criar sim um ótimo produto final; mas o que fez do original um marco era precisamente sua originalidade. E isso, um filho de 2023 simplesmente não consegue entregar. 

Nota do Crítico
Ótimo