Antes de encerrar sua primeira meia hora, A Mulher na Janela une Amy Adams e Julianne Moore em sua melhor cena, a única em que as duas contracenam. O momento, uma simples conversa entre duas vizinhas, parece existir para mostrar o potencial do suspense de Joe Wright. As interpretações esquisitas, a interação enigmática, e o sentimento constante de que algo ali não parece natural é bem construído, muito pela habilidade de Wright de criar tensão. Infelizmente, pouco depois, A Mulher na Janela colapsa em si mesmo, e o momento entre as atrizes perdura com o gosto amargo de tudo que poderia ter sido.
Baseado no histórico da produção, não é surpreendente que o filmetenha um resultado tão decepcionante. O longa que agora chega à Netflix tinha estreia prevista para outubro de 2019, mas foi adiado e passou por refilmagens após reações negativas em exibições teste. Porém, o que o faz inesperadamente frustrante é tudo que o constitui: estamos falando de um roteiro de Tracy Letts - nome por trás das peças e adaptações de Killer Joe - Matador de Aluguel e Álbum de Família - nas mãos de um diretor competente e de um elenco irretocável, complementado por nomes como Gary Oldman e Brian Tyree Henry.
Contando a história de uma mulher agorafóbica que passa os dias observando seus vizinhos, A Mulher na Janela começa prometendo um suspense psicológico intrigante, que foca em um suposto assassinato testemunhado por nossa protagonista, Anna Fox (Adams). Mas a ideia da narradora não-confiável, nada inédita mas sempre intrigante, é mal-utilizada. Aqui, o filme parece em dúvida em como apresentá-la, colocando-a como perspectiva principal mas por diversas vezes reiterando sua ansiedade, seus remédios, e seu uso com álcool. Em A Mulher na Janela, não são as circunstâncias da trama que duvidam de Anna, e sim o próprio filme.
Ao invés de tornar o espectador aliado, Wright apresenta sua protagonista já criando confusões, distanciando seu ponto de vista do público antes mesmo de criar empatia ou estabelecer fundamentos. Por isso, é rapidamente perceptível que o rumo da trama pouco importa. A Mulher na Janela faz uma confusão tão óbvia em sua narrativa que qualquer reviravolta é irrelevante; um filme não pode tirar as bases do espectador e oferecer surpresas se ele nunca tomou tempo para fortalecê-las.
Dito isso, o maior twist de A Mulher na Janela acaba sendo o fato de que o talento de todos os envolvidos segue presente no desastre final. Adams brilha como sempre, a direção de Wright acerta várias vezes e até o roteiro de Letts, ainda atrelado à construção teatral, também tem seus momentos. É a derrocada de sentido completo e a conclusão de A Mulher na Janela que causam a revolta no espectador; os remendos no desfecho parecem evidenciar o resultado de refilmagens questionáveis.
Quando se aproxima do seu fim, e já cansou o espectador com diversas revelações estapafúrdias, A Mulher na Janela coroa a catástrofe esquecendo de todos os problemas que nossa protagonista enfrentava, como se tudo que se passou tivesse sido totalmente gratuito. As iniciais referências a Hitchcock e o clima do suspense psicológico são esquecidos em um final que só pode ser descrito como bizarro, e o público é deixado na mão assim como o talento de Amy Adams.