Filmes

Crítica

Live-action de A Pequena Sereia convence mesmo sob o peso do original

Halle Bailey eleva com carisma e potência vocal um filme mais completo em enredo

22.05.2023, às 13H01.
Atualizada em 22.05.2023, ÀS 17H00

Ao assistir aos remakes em live-action da Disney, é difícil não se questionar sobre o motivo (além do financeiro) de fazer uma releitura dos clássicos das animações com atores cercados em telas verdes preenchidas por efeitos visuais. A Pequena Sereia, dirigido por Rob Marshall (Chicago) e estrelado por Halle Bailey como Ariel, pode até não responder a essa pergunta, mas não fica atrás na comparação com o desenho de 1989 que reviveu o departamento de animações da Disney.

Logo no começo, o live-action se apresenta de forma impactante ao adicionar uma citação de Hans Christian Andersen, autor da obra original, com cenas de mares agitados ao fundo: a carga dramática já se diferencia. A releitura segue quase à risca a trama da animação: Ariel tem um profundo interesse pelo mundo além do oceano e, após se apaixonar por um humano, decide negociar com a bruxa um acordo faustiano que transforme a princesa dos sete mares em uma criatura da superfície. Com 40 minutos a mais, o remake preenche esse tempo com novas canções e explora a ambientação para além do oceano e do castelo.

Halle Bailey traz ao papel da princesa o carisma e o vozeirão para alcançar as notas altas de “Part of Your World” e outras canções que, mesmo com Ariel na segunda voz, dão brilho à trilha sonora. Quando a cantora não sola nas canções, o elenco coadjuvante preenche a tela: Melissa McCarthy traz uma Úrsula marcante e fascinante de assistir, Javier Bardem é um Rei Tritão mais sensível e (ironicamente) humano, e Jonah Hauer-King vive um Príncipe Eric com mais personalidade e encanto que o original.

Quanto ao elenco de CGI, há uma dinâmica que acompanha os atores em cena, apesar de deslizes. Daveed Diggs faz um Sebastião com esmero e se sai afiadíssimo nas partes em que contracena com o Sabidão de Awkwafina. Ainda que a atriz se veja refém da persona que criou para si nas telas, sua presença se justifica na canção "Scuttlebutt", que exige muita dinâmica pela composição frenética, marca registrada do compositor Lin-Manuel Miranda. Já Jacob Tremblay, jovem promissor de O Quarto de Jack, hoje aos 16 anos, acaba ofuscado no papel de Linguado.

A Pequena Sereia não alcança a maleabilidade que a animação 3D permite, mas chegou a um nível aceitável de assistir em tela a fluidez dos cabelos esvoaçantes embaixo d’água, as caudas das sereias em movimento, os animais marinhos interagindo com humanos e até mesmo os tentáculos de Úrsula, que são quase membros à parte da vilã. O live-action não cai no Vale da Estranheza, mas é esperado que fique a saudade dos traços cartunescos do longa de 1989. Ainda assim, para quem assistiu ao live-action de O Rei Leão, a nova produção traz animais que, mesmo mais realistas, são mais expressivos em cena (e também menos presentes em tela, o que talvez explique o fato de tudo parecer mais agradável aos nossos olhos).

Já o público que força a vista para conseguir distinguir as cores nos filmes e séries de fantasia de hoje vai novamente ter que calibrar o brilho da TV no máximo. A falta de contraste chama atenção principalmente no início da trama, que nos introduz aos cenários do reino do fundo do mar. Entretanto, esses momentos são compensados com cenas ensolaradas, tanto em terra quanto no oceano, principalmente no hit “Under The Sea”, evitando cair no monocromático - como aconteceu em Peter Pan e Wendy.

No que diz respeito ao roteiro, o longa consegue enriquecer e atualizar sua temática com uma princesa mais independente, como as novas levas de live-action estão fazendo. Mas é reconhecível que A Pequena Sereia expande além de sua protagonista, focando também em outros personagens. Marshall e os roteiristas Jane Goldman (Kick-Ass: Quebrando Tudo) e David Magee (As Aventuras de Pi) sabem amarrar o desenvolvimento da trama, principalmente no meio, que é mais desafiador com Ariel sem voz. Para evitar esse silêncio, utilizam como recursos a canção "For the First Time" e cenas de Ariel falando internamente, o que acaba sendo uma boa saída.

Ainda no segundo ato, o roteiro lapida detalhes das interações entre Eric e Ariel para serem mais compatíveis em cena. Já o terceiro se desenrola mais rápido se comparado com o todo, dando uma impressão de afobação na batalha final com Úrsula. Apesar disso, o novo longa altera um detalhe no fim que faz mais sentido para os dias atuais.

Um elemento que parece atemporal, à parte das necessidades de atualização, é a trilha sonora - razão principal para a contratação de Marshall, diretor especializado nos musicais. É preciso novamente destacar Halle Bailey: sua desenvoltura traz a mesma doçura e curiosidade da Ariel da animação, e nas canções icônicas a atriz alcança as notas altas com excelência. Miranda contribui com as suas rimas ágeis, o que agrega à lista de músicas já conhecidas pelo público. O trabalho foi feito ao lado de Alan Menken, veterano da Disney e um dos responsáveis por compor as canções dos filmes posteriores ao Renascimento do estúdio (como O Corcunda de Notre Dame, Hércules e Encantada), além de ter sido o compositor original da animação de 1989.

Ainda é cedo para cravar que o novo longa, nos seus acertos de adaptação, é um divisor de águas dos remakes com atores reais e CGI, mas se a Disney mantiver a qualidade e o cuidado que dedicou a Ariel, talvez os fãs possam ver com bons olhos as próximas produções que estão por vir na ânsia de atualizar o legado do estúdio para a era da saturação do streaming.

Nota do Crítico
Excelente!