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A Via Láctea | Crítica

Um amor dividido pela galáxia conhecida como trânsito de São Paulo

25.10.2007, às 18H00.
Atualizada em 08.11.2016, ÀS 04H00

"Ele era advogado. Como? Advogado. Como? Ele era advogado. Ah sim, em 1923. Como? Em 1923. Como?"

a via láctea

a via láctea

O "anti-diálogo" acima, entre Sérgio Mamberti e Walderez de Barros, era um dos momentos mais insólitos de Tônica Dominante (2000), o longa-metragem de estréia da diretora Lina Chamie. Insólito, sim, e breve, mas um momento emblemático, com o seu humor crítico à Jacques Tati, do ensaio sobre a incomunicabilidade que Lina criou no seu primeiro filme e redesenvolve agora em A Via Láctea.

Heitor, o personagem de Marco Ricca perdido na via láctea que é o galáxia de luzes de um congestionamento paulistano, foi vítima de um desses ruídos de comunicação. Logo cedo naquele dia, Heitor brigou por uma bobagem com a namorada, Júlia (Alice Braga), e ela respondeu que eles deveriam dar um tempo. Heitor passará então o filme inteiro dentro do seu carro tentando chegar à casa de Júlia - porque não há mil palavras equivocadas que um único beijo não cure.

No meio dessa viagem literal e metafórica que é a trama de A Via Láctea, ficamos sabendo em flashbacks como o cerebral Heitor, escritor e professor, conheceu a calorosa Júlia, ex-atriz, hoje veterinária. Os dois no teatro, em uma livraria, os dois no alto de um edifício, na casa à moda antiga de Júlia. De que modo aquele amor arrebatador culminou no drama motorizado de Heitor?

O que havia de incomunicável entre homens e mulheres de Tônica Dominante se remediava com a música, como se a expressão artística fosse o único meio de diálogo possível. Lina Chamie se contraria um pouco quando, entrevistada, é relembrada a todo momento de sua formação musical de clarinetista, e responde que os seus dois filmes são cinemáticos acima de tudo. Ela tem toda a razão, mas não haveria Tônica Dominante se não houvesse a música.

A Via Láctea também trata de incomunicabilidade - Júlia o tempo inteiro tenta chegar a Heitor, pelo rádio, em painéis na rua, da mesma forma que Heitor se mata para alcançar Júlia - e os sons, sincronizados ou não, são fundamentais ao filme, mas não é exatamente a música que une as pessoas aqui. A ponte que liga Júlia e Heitor é o toque. Seu amor durará enquanto o casal estiver lado a lado.

Lina Chamie agora pode dizer que chegou mesmo ao cinemático. A Via Láctea é um espetáculo de montagem e edição de som, mas a alma do filme está na câmera, na forma como se aproxima do rosto aflito do protagonista, como filma os abraços do casal, como completa um quadro com Júlia à frente e Heitor no segundo plano, quase tocando-se. Se os amores dos filmes de Lina Chamie seguem atormentados, quase inviabilizados, pelo ruídos do mundo, A Via Láctea ao menos dá ao amor de Júlia e Heitor uma memória a se apegar.

Nota do Crítico
Ótimo