A produção da mais nova adaptação de Adoráveis Mulheres, clássico da literatura americana, poderia ser atribuída a nossa era de remakes e ascensão de histórias da perspectiva feminina, mas isto seria reduzir a importância do trabalho realizado por Greta Gerwig. Já tendo comprovado seu talento para traduzir sentimentos complexos em seu último trabalho, Lady Bird: A Hora de Voar, a diretora agora retorna testando a imortalidade de temas da obra de mais de 150 anos de idade, de Louisa May Alcott, com um êxito admirável. Gerwig não apenas dá nova vida às icônicas Irmãs March, como identifica o melhor modo de adaptar uma obra literária, inovando o simples ato de contar uma história.
Menos de 30 anos após a última adaptação, Adoráveis Mulheres retorna com um elenco chamativo liderado por Saoirse Ronan e complementado por nomes como Emma Watson, Florence Pugh, Eliza Scanlen, Laura Dern e Timothée Chalamet. Contando a história do amadurecimento do quarteto de irmãs e suas aventuras em uma época de escolhas restritas e constantes mudanças, o filme alterna entre o passado e o presente de suas vidas, explorando as diferentes facetas de cada uma delas, como se se aprofundasse em cada um dos aspectos que formam a experiência feminina e humana.
Enquanto a produção é segura - uma adaptação de um clássico, liderada por um elenco estelar -, a ousadia se encontra no roteiro e direção de Gerwig. A narrativa não-linear, uma das mais chamativas e surpreendentes decisões da diretora, é o que faz o longa acertar em cheio. Distanciando-se do modo clássico de adaptações, Gerwig levou às telas um livro inteiro sem, em nenhum momento, soar mecânico. A escolha pode causar certo estranhamento, mas com o desenvolvimento do longa é possível perceber um nível de transposição cinematográfica raramente vista. Com naturalidade, Gerwig construiu uma adaptação que nunca soa como se o público estivesse acompanhando um livro, página por página.
Enquanto a história e os acontecimentos são familiares para quem leu o livro ou assistiu alguma das (seis) versões anteriores, o novo Adoráveis Mulheres também se distingue em um fator fundamental, a profundidade dada a todas as irmãs March. Agora, não apenas Jo tem seu brilho, como Meg (Watson), Amy (Pugh) e Beth (Scanlen) são ricas em suas distintas personalidades. Isso completa o cenário com um contexto mais rico para as experiências de Jo, que não deixa de ser protagonista, e abre o leque para um entendimento maior das escolhas e vivências das personagens. Neste sentido, Amy é a que mais ganha com a escolha, criando o terreno para uma atuação chamativa de Pugh, e retirando certo maniqueísmo dos acontecimentos da história.
A divisão de arcos mais equilibrada também faz com que, com tantos nomes qualificados no elenco, ninguém realmente roube o holofote. O elenco, complementado por papéis menores interpretados por nomes como Meryl Streep, Bob Odenkirk, Chris Cooper e Louis Garrel, chama atenção como um todo e funciona como um organismo só. Por isso, a atuação de Ronan, sempre certeira, brilha mais forte quando distante de seu círculo tradicional. O poder e o peso real da revolta interna de Jo aparecem de verdade em suas cenas isoladas da família, quando contracena com Garrell, ou na brilhante sequência final do longa, que merece um apreço especial. O jeito que Gerwig decidiu amarrar a história de Jo com o de Louisa May Alcott, e o laço perfeito que encerra o filme, é certamente o grande triunfo do novo Adoráveis Mulheres.
Em sua nova obra, Gerwig não apenas constrói paralelos entre os desafios da infância e da maturidade das Irmãs March, como desenvolve perfeitamente simetrias das problemáticas da época e de hoje. Com auxílio da bela fotografia de Yorick Le Saux e com uma perspicácia moderna, a cineasta estrutura um amplo terreno para representar cada singularidade humana, e faz isso com tanta carisma e delicadeza que justifica muito bem a existência de ainda mais um Adoráveis Mulheres.