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Crítica

Agente Oculto traz Irmãos Russo errando a mão na onda de espiões sensíveis

Promessa de porradaria entre Ryan Gosling e Chris Evans resulta em duas horas de tédio

20.07.2022, às 20H42.

Não é sem misantropia que James Bond se tornou um dos salvadores do mundo nas telonas. Símbolo maior do cinema de espionagem, ele é um homicida chauvinista que faz o bem burocraticamente. Seja na interpretação de Sean Connery, Roger Moore, Timothy Dalton ou Pierce Brosnan, 007 despacha inimigos e desarma conspirações com o mesmo sorrisinho com o qual usa e descarta suas muitas mulheres. Foi só em dois momentos que a rigidez de Bond se quebrou: em 1969, com George Lazenby, e entre 2006 e 2021, com Daniel Craig.

Nessas versões, o espião aprendeu a amar e sofrer. Retratos humanizados que nasceram da necessidade — nos anos 1960, para desvinculá-lo de Connery; nos 2000, para adequá-lo ao pós-11 de Setembro. Se essa segunda humanização se deu de forma reativa, é porque o cinema de espionagem do século XXI invoca o melodrama. Jason Bourne sofre por não se lembrar de quem é. Ethan Hunt sofre por não poder ser quem é. E, finalmente, James Bond sofre por ser quem é. Em tempos de Tony Soprano e Walter White, o trauma se tornou obrigatoriedade para protagonistas de histórias de gênero.

Agente Oculto não só concorda com isso como leva ao extremo essa execução protocolar de história de espião. Repleto de elementos que, em uma equação matemática, fariam um bom filme, o retorno dos Irmãos Russo ao gênero que consagrou Capitão América 2: O Soldado Invernal é só uma aventura genérica e pasteurizada, cheia de rostos conhecidos.

Ryan Gosling vive o personagem-título, Court Gentry, um ex-presidiário que é colocado a serviço da CIA em troca de sua liberdade. Consagrado como um dos mais eficientes agentes de campo do mundo, ele se vê envolto em uma conspiração criminosa dentro da própria agência, pouco tempo depois da aposentadoria de seu mentor, Donald Fitzroy (Billy Bob Thornton). Caçado pelo psicótico Lloyd Hansen (Chris Evans) e outros mercenários do mundo todo, Court conta com a ajuda da espiã Dani Miranda (Ana de Armas) para se salvar.

Inicialmente simples e intrigante, a história levemente adaptada do romance homônimo de Mark Greaney é feita mais complicada e didática bem rapidamente, conforme se revelam dois fatos do passado de Gentry: sua ligação com a família de Fitzroy e o motivo pelo qual ele foi preso. São só duas vezes em que os roteiristas Christopher Markus, Stephen McFeely e Joe Russo optam por trocar suspense por emoção, mas já anunciam como o filme encara como tarefa ingrata a necessidade de incluir aquele sentimentalismo de praxe.

Não funciona, é claro. Tratando como revelação o que deveria ser o coração do filme, Agente Oculto acaba não só prejudicando qualquer sentimento de surpresa como também a sua própria dramaticidade. Descartada qualquer coisa de mais densa em conteúdo, resta o espetáculo da forma, onde mais uma vez nada apresentado vai além do medíocre. Afinal, o mesmo século XXI que tornou comum a narrativa dos espiões sensíveis também esgotou a exploração da ação quando Tom Cruise se amarrou a um avião. Não à toa, Bond teve de morrer pela primeira vez em quase 60 anos para manter 007 relevante.

Diante disso, Agente Oculto poderia beber da paródia, onde filmes como Kingsman: O Serviço Secreto (2014), O Agente da U.N.C.L.E. (2015) e Atômica (2017) encontraram refúgio e razão de ser. Com mais irreverência, o filme da Netflix (mais caro de sua história) faria da escalação de Gosling e Evans em papéis trocados um trunfo, e não um erro — falta carisma para o protagonista, sobra simpatia para o vilão —, e talvez encontraria para De Armas uma função menos instrumental. Melhor ainda: se não se interessaria em promover uma humanização bem feita, quem sabe permitiria emular um pouco daquela misantropia dos espiões clássicos para promover um escapismo mais simples e eficiente.

No final das contas, entretanto, ela só é lembrada quando Wagner Moura surge ensandecido em tela, mastigando o cenário que o cerca em uma participação que seria muito mais adequada para o que Agente Oculto deveria (ou poderia) ser. Pois é com a mesma frieza e desdém que carregava o Bond de Connery que o filme dispensa o astro brasileiro e seu personagem, como quem vê no divertimento seu verdadeiro inimigo.

Nota do Crítico
Regular