Michael Jordan dispensa apresentações. Foram seis títulos da NBA pelo Chicago Bulls, seis vezes o MVP das finais, 32 mil pontos na carreira (uma média de 30 por jogo), 6,6 mil rebotes e 5,6 mil assistências. Um dos maiores jogadores de basquete de todos os tempos.
Mas o filme aqui não é sobre ele. É sobre seu par de tênis. Ou melhor, toda uma linha deles.
Air: A História por Trás do Logo, que chega aos cinemas nesta semana, é inusitado. Afinal, fixa o seu olhar não para as quadras, mas sim para fora delas. Conta a trajetória de como a Nike conseguiu convencer um relutante MJ e a sua família a fechar um contrato que mudou o marketing esportivo - resultando em uma das mais famosas linhas de tênis do mundo, a Air Jordan.
Uma marca que se tornou um ícone cultural tanto quanto a estrela que a inspirou, faturando mais de US$ 5 bilhões de dólares em vendas nesses quase 40 anos de existência. O logotipo do “jumpman” virou febre.
Tudo bem, essa descrição não parece tão empolgante quanto a vida do próprio Michael Jordan. Soa mais como uma aula do MBA. É aí que entra Ben Affleck.
Além de ator, Affleck é cineasta. Este é o quarto longa-metragem que ele dirige, sendo que o seu ponto alto na função é Argo, vencedor do Oscar de Melhor Filme em 2013. Como roteirista, também levou outra estatueta, ao lado do amigo Matt Damon, por Gênio Indomável.
Se tem uma característica em comum na maioria dos trabalhos de Affleck é como ele consegue pegar relatos pouco atrativos e adicionar um toque que deixa tudo mais palatável, transformando-os em entretenimento. É uma pitada gostosa de açúcar naquele café forte, amargo e de qualidade questionável.
O resultado? Affleck, junto do roteirista Alex Convery, transforma a rotina chata de um bando de engravatados em uma trajetória épica de Davi contra Golias, na qual parece que o destino do mundo está nas mãos de poucas pessoas. Usando o cinema e truques de mágica, o longa empolga.
Para atingir esse objetivo, Air carrega nas cores, seguindo a fórmula da jornada do herói. Se na vida real a Nike tinha revolucionado o modelo de produção calçadista e se tornando a terceira maior fabricantes de tênis do mercado dos EUA em um pouco mais de dez anos, no filme a empresa parece perdida e sem saber o que fazer.
Isso cria o campo perfeito para surgir um homem com uma ideia, aquele que vai convencer a todos com o seu plano perfeito e vencer os concorrentes poderosos - como o cineasta ama apresentar. Desta vez o nosso protagonista é Sonny Vaccaro (Matt Damon), o executivo responsável por cortejar e fechar contratos com futuras estrelas do basquete.
É Vaccaro, na versão cinematográfica, quem convence o chefe Rob Strasser (Jason Bateman) e o fundador da Nike, Phil Knight (Affleck, também em cena), a fechar um acordo nunca antes feito com a terceira escolha do último draft da NBA. Ele mesmo, um ainda pouco conhecido - mas com muito potencial - Michael Jordan.
A partir disso, planejamentos de meses são transformados em grandes sacadas (criando os momentos “aha!” e “wow” que Ben Affleck e o marketing tanto amam), vilões são forjados, tediantes discussões de contrato viram ligações telefônicas com diálogos antológicos e o desenvolvimento de protótipo acontece durante um plantão de fim de semana. A esse roteiro redondo soma-se o fato de Affleck conseguir nos aproximar de cada personagem, fazendo o público se importar com as suas trajetórias.
Certamente Air inspirará diversos posts no LinkedIn, com pensatas inverídicas. Um preço (caro) a se pagar, infelizmente.
Há, por outro lado, algo bem real: como muitos departamentos de marketing de grandes empresas são formados por homens brancos, héteros, cis, de classe média alta e sem qualquer conexão com o público-alvo que querem atingir. Se isso acontece hoje, imagina nos anos 1980.
Air não se esquiva dessa realidade, e faz questão de criar situações em que isso fica evidente. Só que, ao mesmo tempo, é tão envolvente que nos faz relevar esse fato. E se não fosse por um rápido clipe no final, daria para esquecer até que todo esse esforço só deu certo porque, nas quadras, Michael Jordan entregou tudo e muito mais.
Na prática, Air é como se fosse a versão cinematográfica de um dos primeiros comerciais do Air Jordan. Na peça de TV, a Nike dizia que o modelo original tinha sido banido pela NBA por não seguir as regras - que exigiam mais partes brancas no calçado. Na prática não era exatamente isso, mas foi a justificativa perfeita para a marca simplificar o caso ao extremo, colocar o selo de “banido” no modelo e faturar muito com as vendas.
Veja bem, essa escolha não é ruim: que me perdoe a retidão histórica, mas as mudanças transformam Air em algo divertido. Funciona tanto que dá até vontade de comprar um Air Jordan no instante em que saímos do cinema.
Quando juntamos isso ao último ponto - o fato de Air: A História por Trás do Logo ser distribuído nos EUA pela Amazon Studios, o braço cinematográfico da gigante do e-commerce - tudo faz sentido: Ben Affleck, Jeff Bezos e a Nike serviram a lição de marketing de vendas definitiva com um comercial de quase 2h de duração.
Por mim, tudo bem.