Para Murray, personagem do clássico Ruído Branco, de Don DeLillo, a nostalgia é produto de insatisfação, um acordo entre o presente e o passado a partir de um sentimento de luto. Essa definição pode soar agressiva hoje, para a nossa geração que cultiva a nostalgia como um estilo de vida, mas ela explica perfeitamente por que um filme como Ajuste de Contas (Grudge Match), embora seja uma comédia, pode parecer tão triste.
ajuste de contas
ajuste de contas
A ideia era reunir Sylvester Stallone e Robert De Niro (que não atuavam juntos desde Cop Land, de 1997), nos papéis de dois pugilistas aposentados que voltam ao ringue para acertar uma rivalidade do passado, e jogar com a memória do espectador que associa os atores com dois outros boxeadores do cinema: respectivamente, Rocky Balboa e Jake La Motta. Afinal, se a moda hoje na Hollywood pós-Vingadores são os tais universos divididos, por que não imaginar um mundo em que o Garanhão Italiano e o Touro Indomável decidem entre si quem é o melhor?
É preciso ter essa relação com o passado para ver Ajuste de Contas, não só para se entreter com as imagens em computação gráfica que recriam a juventude dos protagonistas, mas principalmente porque a nostalgia se estabelece primeiro com piadas internas, como a cena em que Razor Sharp (Stallone) visita um frigorífico e é impedido por seu treinador (Alan Arkin) de socar uma peça de carne congelada, referência ao primeiro Rocky. Fica claro que, embora sejam personagens inéditos, é mesmo a memória de glória de Stallone e De Niro no auge de suas carreiras, nos anos 1970, que o filme tenta acessar.
Essa brincadeira metalinguística é feita com ironia (os lutadores só conseguem público depois que seus vexames viralizam no YouTube), mas aos poucos percebemos que é o luto, acima de tudo, que dita a nostalgia de Ajuste de Contas. Está estampado na cara cansada de Robert De Niro, cuja atuação burocrática é compensada pela boa vontade de Stallone. Está na reciclagem de situações (o filho negligenciado, o sucesso que sobe à cabeça, tudo isso já esteve nos Rockys anteriores). E o luto está principalmente na forma como os protagonistas parecem zumbificados, mais movidos por chantagens emocionais do que por vontade própria.
Então quando chega o momento da esperada luta (e o humor que no começo prometia um novo Dois Velhos Rabugentos termina todo em segundo plano, sob a responsabilidade da boa dupla Alan Arkin e Kevin Hart), é inevitável sentir que Stallone e De Niro participam dessa dança da morte à força, obrigados a dar algum sentido a velhos action figures desenhados para não tombar nunca, como aqueles bonequinhos que já vinham com bases nos pés.
É bem diferente do que Stallone faz em Os Mercenários, por exemplo, que funciona por ser um filme pensado não a partir da nostalgia, embora pareça, e sim para reafirmar valores e um estilo de cinema de ação que o ator e diretor acredita, de fato, ter validade ainda hoje. Já Ajuste de Contas só tem a insistência, a reminiscência, uma velha rotina que se reproduz automaticamente, como passar horas socando gelo.
Ajuste de Contas | Cinemas e horários