Desde a escolha do seu tema até a caracterização dos personagens, tudo em Ameaça Profunda (Underwater) parece pensado para atender expectativas, tanto específicas quanto as mais genéricas, sem se comprometer demais ou alienar o espectador médio com grandes ousadias narrativas.
A proposta é encaixar um Alien dentro de um Cloverfield, fazer um horror claustrofóbico que dê algum tom íntimo ao filme-catástrofe apocalíptico e ambientalista de grande escopo. Kristen Stewart, T.J. Miller, Jessica Henwick e Vincent Cassel puxam o elenco, trabalhadores de uma estação de mineração na Fossa das Marianas que precisam fugir da base quando um acidente faz emergir do centro da Terra criaturas monstruosas.
A Stewart cabe o papel de ser uma jovem Ripley, a mulher insensibilizada pelo ambiente de trabalho masculino que se ressente, veladamente, pelos sacrifícios emocionais que fez no passado. Muito dessa leitura vem mais dos paralelos extrafilme com Alien do que propriamente do que Ameaça Profunda oferece por si só, porque o filme não dá muita substância à personagem além do tímido sexploitation de Stewart à la James Cameron, e algumas reminiscências de backstory.
Se Ameaça Profunda consegue provar algo, é atestar a força desse tipo de horror espacial feito desde 1979 (que aqui obviamente substitui o espaço sideral pela profundeza remota do oceano), porque realmente não precisamos de muito para traçar todo um perfil da personagem de Stewart a partir de seus momentos de instrospecção, da sua expressão corporal, do seu comportamento no coletivo. O personagem de T.J. Miller faz um comentário sexista, Cassel a trata com paternalismo, Stewart olha vazio seu reflexo no espelho, e pronto: com três cenas a dimensão psicológica está completa, engrandecida e validada nos ecos de Alien.
Essas escolhas pela familiaridade no gênero do horror são as que atendem expectativas específicas do público, e há as generalizantes: câmera na mão e instabilidades para mostrar as criaturas aos poucos, CGI bom o suficiente para não causar má impressão em ambientes de pouca luz, mudança cromática para denotar uma escalada de ameaça (na boa cena do ninho suspenso, diferenciada pela cor vermelha).
Ameaça Profunda tica lacunas como se estivesse preenchendo uma ficha de aplicação de filme de horror, e atende aos requisitos básicos; isso fica ilustrado no impulso que os personagens têm de guardar pelo menos um objeto dos seus pares falecidos, seja uma polaroid ou um bicho de pelúcia. É como se eles fossem definidos por isso, um único memento emocional, que seja capaz de torná-los humanos mesmo e não apenas peões funcionais num jogo de eliminação.
Em outras palavras, o diretor William Eubank faz o mínimo necessário para que seu filme funcione a contento, tanto na dramaturgia das pequenas relações quanto na concepção das cenas grandiosas, e no geral Ameaça Profunda agrada porque essas escolhas são feitas pontualmente, não há gorduras no texto ou grandes carências que tornem a experiência insatisfatória. No mais, Eubank provavelmente faz, com muito truque de iluminação e câmera, o horror mais grandioso que seu orçamento de US$ 80 milhões consegue pagar.