O fato de ser uma franquia que opera há anos no piloto automático não impede Anjos da Noite de se ajustar aos tempos. Apesar de toda a sua precariedade na execução, o quinto filme da série, Anjos da Noite: Guerras de Sangue, é muito divertido do ponto de vista da mudança de eixo de protagonismo: o que surgiu em 2003 como um fetiche masculino, vestir Kate Beckinsale de vinil para ser uma Trinity do cinema de horror, agora se torna acima de tudo uma demonstração cômica do ocaso do patriarcado.
Não faltam evidências. O filme dirigido pela estreante em longas Anna Foerster coloca três ou quatro personagens femininas em posição de agência sobre a trama: centralmente a vampira Selene (Beckinsale), que todos caçam, e a vilã Semira (Lara Pulver), que conspira e manipula, além de outras duas vampiras (cuja função não convém entregar aqui). São elas que colocam em movimento e decidem a história, numa série que ademais sempre lidou com temas progressistas como o pacifismo e a miscigenação.
Aos homens cabem uma coadjuvação forçosa. Ridicularizado em Game of Thrones (cujas intrigas palacianas este Anjos da Noite tenta palidamente emular), o ator Tobias Menzies nunca consegue fazer do lobisomem Marius um tipo respeitável ou minimamente ameaçador, e a revelação final a respeito dos seus poderes só acrescenta mais um elemento às fraquezas do personagem.
Do seu lado, Theo James e Charles Dance parecem à parte da trama, assim como os demais vampiros mais velhos, arraigados nas defesas de seus castelos e seus legados de sangue, sem perceber que o mundo já mudou por completo à sua volta. É involuntariamente hilária a cena em que Menzies e James, metralhando um ao outro à queima-roupa, tentam resolver o duelo disputando quem grita mais alto. Não deixa de ser emblemático que, de todos os vampiros homens, quem se revela mais senhor das suas escolhas seja justamente aquele que tem consciência do seu caráter de homem-objeto.
De resto, continuam valendo as particularidades de sempre que tornam Anjos da Noite atraente, como a atenção para o design de produção que flerta com o horror (balas perfuradoras, catéteres com anzóis...) e as misturas de referências (a matriz medieval e o capa-e-espada juntados com temas e estéticas de guerrilha urbana hipermilitarizada). Quem é fã vai saber identificar esses elementos, e Foerster faz um filme de espírito Z que não tem medo do trash.
Para os demais, aproveitar o filme vai depender muito da tolerância do espectador diante de tantos problemas de continuidade (planos que não respeitam o espaço da ação, movimentação truncada) e de franca falta de inspiração (o filme recicla imagens de impacto de longas anteriores, como o salto com a espada na água). Selene não ganha nem uma frase de efeito decente quando faz uma entrada triunfante... Plena em seu estado de diva, a heroína dessa franquia merecia mais.