“Uma câmera na mão e uma ideia na cabeça”. A máxima que regia o Cinema Novo brasileiro na década de 60 pode ser aplicada, nas devidas proporções, à versão de Joe Wright para Anna Karenina. Em função do orçamento reduzido, o diretor transformou o filme em um exercício de estética experimental, com cenários feitos de palcos, cortinas e bastidores teatrais.
anna karenina
anna karenina
anna karenina
A ideia de levar uma nova abordagem à adaptação do clássico de Liev Tolstói veio da leitura de Natasha's Dance, em que Orlando Figes descreve a aristocracia russa como "pessoas vivendo em cima de um palco, onde tudo era encenado". Wright tomou para si o conceito e decidiu transformar a metáfora para exageros sociais no fio condutor do seu filme – “A estilização não é um enfeite, mas uma subtração. Tudo está a serviço da história”, explicou.
Na prática, contudo, esse experimentalismo estético acaba por acrescentar pouco à narrativa. A fluidez da edição, que leva naturalmente da casa sobre o palco para estábulos e repartições públicas, não chega aos personagens. Mesmo tendo como base a imponência delicada da literatura de Tolstói, o roteiro de Tom Stoppard (Shakespeare Apaixonado) é incapaz de dar ao filme a complexidade do texto original, revelada já na primeira frase: “Todas as famílias felizes se parecem, cada família infeliz é infeliz à sua maneira”. Ao contrário do filme, o triângulo amoroso entre Anna (Keira Knightley), Kariênin (Jude Law) e o Conde Vrónski (Aaron Taylor-Johnson) é, no livro, pretexto, não razão de ser.
Enquanto no original existe a articulação de contrastes - a cidade e o campo, a alta sociedade e a vida dos camponeses, o erudito e o prático -, o filme de Wright intercala apenas interior e exterior. O importante contraponto entre Anna e Liévin (Domhnall Gleeson) - representando as convenções da sociedade russa e a pureza do campo, o adultério e o matrimônio legítimo - existe, mas é mal desenvolvido. No filme, Liévin, alter ego de Tolstói, tem sua presença em paisagens abertas, livre das encenações aristocratas, reduzida a mera trama paralela, sem criar a necessária oposição aos dramas de Anna, presos aos cenários fechados, teatrais.
Nem a personagem-título consegue se desprender das engrenagens estéticas da versão de Wright. Mesmo com o amparo do parceiro de Desejo e Reparação e Orgulho e Preconceito, Knightley é incapaz de levar naturalidade à Anna. Alternando caras e bocas, entrega apenas uma dama burra e entediada, bela e cuidadosamente vestida. Sem criar a empatia necessária, o expectador vê apenas uma jovem mimada, e sua atuação limitada transforma a protagonista em vilã, não em heroína incompreendida.
Fosse apenas inspirado, e não uma adaptação direta do livro de Tolstói, Anna Karenina teria mais chances de se tornar também inspirador. Seu esforço estético configura uma realização importante dentro da filmografia de Wright, e sua criatividade cinematográfica é bom sinal em uma indústria acostumada a buscar sempre a resposta mais fácil. O roteiro raso, porém, transforma um clássico da literatura em uma novela romântica qualquer.