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Crítica

Apenas Deus Perdoa | Crítica

Nicolas Winding Refn se contenta com a expectativa de fazer um Édipo Rei de artes marciais

17.10.2014, às 14H25.
Atualizada em 29.06.2018, ÀS 02H37

Poucas vezes desde a sanguinolenta peça de Sófocles de 427 a.C. um complexo de Édipo resultou em tanta carnificina quanto em Apenas Deus Perdoa (Only God Forgives), o segundo filme do diretor dinamarquês Nicolas Winding Refn com o astro de DriveRyan Gosling. Porque tem gente que interpreta aquela história de "voltar ao ventre" de forma bastante literal.

apenas deus perdoa

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Gosling faz Julian, administrador de um ginásio de muay thai em Bangcoc, na Tailândia, ao lado de seu irmão Billy (Tom Burke), um psicopata que termina morto pela polícia local depois de estuprar e matar uma adolescente. Julian é o caçula. Quando a mãe (Kristin Scott Thomas) chega de viagem para recolher o corpo, ela diz que Julian odiava o irmão porque Billy era o preferido dela. O caso é que Julian escolhe não vingar a morte de Billy, decisão que termina multiplicando a matança em Apenas Deus Perdoa.

Refn faz aqui uma mistura de Édipo Rei (quem conhece o final da peça já deve imaginar os rumos do filme) com O Grande Dragão Branco como forma de homenagear o cinema de artes marciais: Julian não tem no par de olhos o seu bem mais precioso, como o Édipo original, e sim nas mãos. Os punhos cerrados de Gosling são a imagem que acompanham o filme do começo ao fim, e se ele deixa sua namorada lhe amarrar os braços enquanto ela se masturba talvez seja porque Julian teme, no fundo, que com as mãos livres ele cometa a violência para a qual elas foram feitas.

Embora Apenas Deus Perdoa trabalhe com fetiches de cinefilia muito similares aos do longa anterior com Gosling, essa expectativa constante por explosões de violência é anterior a Drive no cinema do dinamarquês. Bronson, especificamente, é o que mais se aproxima dessa ideia da agressão represada, embora esteticamente Apenas Deus Perdoa transcorra como uma viagem cromática mais próxima à lisergia de O Guerreiro Silencioso, seu melhor filme.

Há temas e formatos que se repetem na obra desse novo "autor" do cinema mundial, portanto, mas Refn soa cada vez mais refém desse processo, um insistente retorno ao ventre de fato. Como o karaokê que o grande policial vilão do filme sempre frequenta, Apenas Deus Perdoa se contenta com o cover, com a reprodução. Seu arrojo de cores, do neon aos cantos cheios de sombras, não têm uma justificativa além do próprio exibicionismo. Mesmo Gosling, ator que Refn busca por seu potencial de ícone, de estátua, parece aqui uma imitação de si mesmo.

Ironicamente, resulta daí um filme-paralisia: em tese é uma homenagem ao potencial destruidor do cinema de artes marciais, e na prática, desacelerado por tanta pose, Apenas Deus Perdoa se conforma em ser espectador - conforma-se com a expectativa.

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Nota do Crítico
Regular