Cena de Aqui (Reprodução)

Filmes

Crítica

Perdido em grandiloquência entediante, Aqui nunca convence como história

Zemeckis encara desafio técnico com jogo de cintura, mas roteiro não o justifica

20.12.2024, às 16H04.

Um desafio: tente não revirar os olhos toda vez que Aqui, o novo drama doméstico que reúne diretor (Robert Zemeckis), roteirista (Eric Roth) e astros (Tom Hanks e Robin Wright) de Forrest Gump, faz referência a algum acontecimento histórico. Ou talvez seja caridoso demais usar a expressão “faz referência”, uma vez que o roteiro de Roth não se basta com acenos às décadas em que se passa - uma televisão ligada ao fundo do cenário passando o noticiário, uma família exibindo as suas fantasias de Halloween extraordinariamente datadas -, mas faz questão de posicionar os seus personagens nas intersecções mais historicamente relevantes possíveis.

Lá em Forrest Gump, de certa forma, essa ânsia por colocar os personagens no contexto de sua época fazia sentido como brincadeira sobre a insignificância essencial do protagonista dentro do grande esquema das coisas. Sem contar que Forrest estava, afinal, correndo de um lado para o outro o tempo todo… e Aqui é um filme de quase 2h de duração cuja própria premissa é ser ambientado em um único aposento. Não só Tom Hanks não está indo para lugar nenhum dessa vez, portanto, como Zemeckis tampouco está, já que - em fidelidade à graphic novel original de Richard McGuire - o filme todo é gravado do mesmo ponto de vista, com a câmera imóvel focada na sala de estar de uma casa construída no período colonial dos EUA.

O desafio técnico, inclusive, parece ser o que mais mobiliza Zemeckis como artista. Diante da ideia de fazer um filme com a câmera inteiramente estática, ele assume alguma teatralidade na direção de atores, treinando-os para se mostrarem mais conscientes de sua colocação dentro do cenário, mas também lança mão de efeitos digitais (para ser justo, bastante convincentes) a fim rejuvenescer e envelhecer seus personagens centrais, e brinca com o montador Jesse Goldsmith (Star Trek: Sem Fronteiras) e a diretora de artes Ashley Johnson (O Problema dos Três Corpos) na hora de delinear todas as narrativas que se desenrolam no mesmo lugar. Na transformação do cenário e nas “janelas” que cria dentro da tela, para pular de uma época para outra, Zemeckis encontra uma linguagem surpreendentemente fluída para uma proposta tão essencialmente engessada.

Não que isso seja surpresa, uma vez que este é o homem por trás de várias tentativas audaciosas de expandir o uso do CGI e das possibilidades de mídia misturada em Hollywood (de Gump a Uma Cilada Para Roger Rabbit, de Contato a O Expresso Polar). Os melhores filmes de Zemeckis, no entanto, são aqueles que encontram maneiras de utilizar a tecnologia da vez, essa capacidade de criação aparentemente ilimitada do cineasta, como forma de realçar a proposta de gênero ou a proposta narrativa que seus colegas contadores de história tem em mente no momento. E, no caso de Aqui, é meio difícil de entender - ou, pelo menos, de engolir - o que Roth tem em mente, seja no ponto de vista da linguagem ou da mensagem.

Há ideias interessantes aqui, não me leve a mal. Confinado em um único aposento, por exemplo, o filme esbarra com uma baita oportunidade de refletir sobre os indivíduos e estratos sociais que ficam e que se vão, diante de cada situação cotidiana ou cada dinâmica histórica. Os dois casais principais da trama - Al (Paul Bettany) e Rose (Kelly Reilly), que são pais de Richard (Hanks) e sogros de Margaret (Wright) -, cujas histórias se amarram para cobrir mais de metade do século XX, representam um retrato das interações entre os gêneros dentro desse processo histórico, do viver doméstico e de quem tem direito ou dever a ele. E os atores, crédito onde ele é devido, parecem entender isso também, entregando performances que se movimentam bem nesse subtexto, tanto separadas quanto em relação umas com as outras.

Mas esse é o microcosmo dos microcosmos, e a dupla Roth/Zemeckis o executa com pouco interesse, salvando muito mais espaço para seus delírios históricos. Por isso eles insistem em colocar a família central - e aquelas que a precedem e sucedem na casa onde a trama se passa - em um lugar central dos grandes acontecimentos de sua época. E aquela reação que eu citei lá em cima, o virar de olhos irritadiço que marca cada uma dessas tentativas, é também uma falha de execução: se a ambição era ensaiar uma história sobre destinos amarrados através das eras, por exemplo, as irmãs Wachowski e Tom Tykwer o fizeram com muito mais inteligência e fluência em A Viagem, mais de uma década atrás. No caso de Aqui, fica faltando escopo, esforço narrativo, ensejo poético, paixão pela própria história.

As obsessões técnicas de Zemeckis, enfim, não são necessariamente o problema. O problema é a grandiloquência arrogante para a qual elas o levam, que nada têm a ver com o que Aqui tem de mais interessante para nos contar.

Nota do Crítico
Regular