Nos minutos finais de As Agentes 355, Jessica Chastain expõe a quem possa interessar por que a história desenrolada nas últimas duas horas leva este nome: trata-se de um aceno às espiãs que desempenharam um papel importante durante a Revolução Americana, mas que nunca foram reconhecidas ou nomeadas propriamente na História. O momento, desprovido de qualquer sutileza, é a maneira como o diretor Simon Kinberg, que assina o roteiro ao lado de Theresa Rebeck, encontra para simbolizar o que aquele quinteto de mulheres habilidosas passou em tela. Elas deram seu sangue para tentar salvar o mundo, mas ninguém jamais saberá que um dia existiram.
Tendo acompanhado toda esta jornada, inclusive com vislumbres dos seus respectivos passados e vidas pessoais, é curioso que o espectador possa terminar o filme tão alheio às personagens quanto os cidadãos daquele mundo. Se na ficção ao menos eles têm a justificativa de sequer saberem que estavam à beira de uma Terceira Guerra Mundial, do lado de cá da tela a razão passa pela natureza fria e burocrática do projeto. Veja, ainda que As Agentes 355 tenha a pretensão de ser uma experiência de empoderamento -- é, afinal, um dos poucos títulos do gênero de espionagem com protagonistas femininas, no plural --, ele restringe a caracterização das suas heroínas a um ou dois traços de personalidade, um passaporte estrangeiro e uma missão em comum.
A personagem de Chastain é a espiã com código moral inabalável e zero lastros no mundo real, ou seja, um clichê. Já Diane Kruger é a versão alemã dela com o adicional de um trauma na infância e uma jaqueta de couro. Lupita Nyong'o é a especialista em tech que não queria estar ali e Penélope Cruz,a terapeuta e mãe que não deveria estar ali.
Com uma base tão escassa, agravada pela falta de especificidade da sua situação-problema -- a descoberta de um dispositivo que pode controlar qualquer coisa do mundo, de sistemas de abastecimento de energia a um avião da sua escolha --, é difícil acrescentar nuance às personagens e suas jornadas, mesmo se tratando de atrizes renomadas. As que melhores se saem são Nyong'o e Cruz, e ainda assim é perceptível quão limitado é seu material-base. Logo, não importa quantas informações sobre suas famílias sejam dadas discursivamente, ou quantos sacrifícios elas façam para realizar o que acreditam ser o certo: As Agentes 355 é incapaz de estabelecer uma conexão emocional entre público e suas protagonistas. Há sempre uma distância entre ambos, porque, no fundo, não há substância que preencha o vazio que está no seu cerne.
Essa falta de traquejo para adicionar complexidade ao longa é evidente, ainda, nas tentativas de incorporar à trama o discurso feminista que pretende deixar como moral da história. Por mais relevantes que possam ser os pontos levantados pela personagem de Chastain -- e eles realmente são --, colocá-la para discursar sobre eles com frases de efeito é o jeito mais fácil e menos efetivo de fazê-lo. É sem inspiração, contraproducente e, mais uma vez, vazio -- e o fato de vir da personagem mais desinteressante também não ameniza o tédio destes momentos.
O que poderia salvar As Agentes 355 e torná-lo minimamente memorável seriam mesmo as cenas de ação, mas nem elas são capazes de elevar a história. Assim como o restante do filme, as coreografias são pouco inspiradas e a execução é por vezes bastante truncada, algo que a direção e a edição sequer tentam suavizar. Sem golpes que empolgam, nem conexão emocional que faça doer os socos e tiros que as heroínas tomam, difícil não ficar com a impressão de que estamos diante de um filme produzido por algoritmos. Não há muita razão de ser, estilo particular ou surpresas -- porque mesmo a reviravolta é óbvia desde o primeiro momento –, só a certeza de que o filme poderia ter, pelo menos, uma duração consideravelmente menor.