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Aspirantes | Crítica

Um filme que erra, mas sai da obviedade

12.10.2015, às 16H03.
Atualizada em 29.06.2018, ÀS 02H37

Ao longo dos seis primeiros dias de competição na Première Brasil, só um longa-metragem havia se destacado pelo investimento na invenção, qualificando-se inclusive como algo na órbita do que se chama de obra-prima: Boi Neon. De resto, até quinta-feira à noite, o grosso dos filme em disputa pelo troféu Redentor, na seara da ficção, foi mais alinhado a um formato clássico. Mas, na quinta, algo de novo surgiu (o que não quer necessariamente dizer “algo de bom”, mas implica, indiscutivelmente, em algo a ser respeitado).

Frente a um coletivo de concorrentes mais preocupados com a construção de uma narrativa do que com a investigação de novos caminhos para a escrita cinematográfica, Aspirantes, de Yves Rosenfeld, acaba se destacando entre seus pares pela ousadia e pelo desejo do risco, ao retratar um dos sete pecados bíblicos, a inveja, numa observação da rotina de potenciais clássicos de times de futebol dos confins do país – no caso, de Saquarema, no interior do Rio de Janeiro.

É lá que Yves, um dos técnicos de som mais disputados do Brasil, senta praça para observar, registrar e refletir sobre o que existe por trás do jeitão consternado, quase bovino, de seu protagonista, Júnior, frente à realidade de pobreza que o cerca e ao sonho de brilhar nos gramados que alimentam seus dribles. O personagem é, até aqui, um dos mais ricos de toda a Première 2015, graças, em boa parte, à eficiência de seu intérprete: Ariclenes Barroso. Seu desempenho talvez seja o mais impressionante de todo o certame nacional em torno do Redentor, seguido de pertinho pelo aríete Juliano Cazarré em Boi Neon.  

Numa trama que sofre com diálogos cimentados de artificialidade, por conta de uma busca obsessiva por um naturalismo radical (leia-se: algo que não pareça atuado e, sim, vivido), Júnior se desenha como um retrato de uma geração achatada pela falta de perspectivas econômicas. Jogar bola é seu único recurso para vislumbrar um futuro confortável, num momento em que se vê á espera de um filho. A namoradinha (Julia Bernat) está grávida e ele tem pouco a oferecer a ela. Seu único amparo é o melhor amigo da vida toda, Bento (papel de Sérgio Malheiros), também colega de bola.

Mas ao perceber os avanços de Bento nos jogos e avaliar o ponto morto em que sua vida está estacionada, Júnior vai experimentar o sabor agridoce do verbo “invejar” e dar ao parceiro da adolescência uma conotação de perigo, de rival. Essa relação  deles desanda para uma estrada de reviravoltas afetivas e morais que dão a Aspirantes temperatura e pressão de tragédia. A inclusão do longa no Festival de Karlovy Vary, na República Tcheca, atesta a comunicabilidade desse DNA trágico, amplificado na cenas de partidas valendo a gol da segunda metade.

Nas primeiras seqüências de jogo, o filme opta pelo uso de efeitos de câmera que desfavorecem o registro da emoção de um jogo. Compensa essa opção apenas pelo trabalho de interpretação (sempre surpreendente) do ator Julio Adrião, na pele do técnico do Bacaxá Futebol Clube, de cujo escrete Júnior faz parte. Conforme o longa avança, a sensorialidade fica mais afiada, amplificada pelo gestual de Ariclenes, e o tom de batalha na briga pela bola se intensifica.

É pena que a aposta excessiva em uma caracterização natural dos ritos da vida – quase que numa superlativação da gramática naturalista buscada pela teledramturgia nacional em sua era de ouro – atropele o arranjo esboçado por Yves. Resta na tela um ranço de estilo sublinhado em demasia, que não se faz justificar pelo roteiro. Porém, a entrega vulcânica de Ariclenes faz dele um candidato forte ao prêmio de melhor ator, por um filme que erra, mas se arrisca, saindo da obviedade.

Nota do Crítico
Regular