É difícil explicar exatamente o que torna um filme bom para cada pessoa. Pode ser uma direção acertada, atuações profundas, um bom roteiro, uma boa trilha sonora, ou nada disso. Muitas vezes nos apaixonamos por produções questionáveis simplesmente porque elas nos cativam. Assassinato no Expresso do Oriente, nova adaptação da obra de Agatha Christie que chega aos cinemas pelas mãos de Kenneth Branagh (Thor, Cinderela), tem esse carisma em seu currículo. Com um mistério envolvente, o longa brinca com emoções ao contar sua história e cria uma expectativa satisfatória. Grande parte desse mérito é de Branagh que, além de dirigir, protagoniza o filme e se torna a alma da produção.
O excêntrico Hercule Poirot (Branagh) enxerga a vida como um padrão de certo e errado, e usa essa percepção para desvendar crimes. Para chegar ao culpado, ele precisa apenas olhar com calma para esse cenário preto e branco e descobrir o que não combina. Tentando tirar férias, o detetive se envolve em um novo caso e precisa pegar o Expresso do Oriente para chegar ao local da investigação. É quando o filme apresenta cuidadosamente o elenco, que conta com nomes de peso como Michelle Pfeiffer, Josh Gad, Judi Dench, Johnny Depp, entre outros. Branagh mostra que entende cada personagem. Em poucas cenas, o suficiente é apresentado para que a trama se torne interessante.
Como o título diz claramente, a viagem é interrompida pela neve, um assassinato acontece e todos que estão a bordo se tornam suspeitos. A trilha sonora de Patrick Doyle (Valente, Planeta dos Macacos: a Origem) é bonita e certeira ao aumentar o suspense sobre o que realmente aconteceu na cabine do trem. Exatamente por ser tão presente, a ausência da trilha também é marcante:o silêncio pontua os momentos de reflexão de Poirot sobre o crime.
Com o desenrolar da investigação, novos detalhes aparecem e revelam, é claro, que há uma história maior por trás do que ocorreu naquele trem. Mas o filme acerta ao não jogar informações demais ou de menos: tudo é calculado para que o público se sinta dentro da história e complete as lacunas até o final. E tudo isso é mostrado com um belo visual de cenas externas, um design de produção caprichado e ângulos de câmera muito bem planejados por Branagh. Ora com um plano sem cortes, ora com uma câmera que mostra os personagens de cima, o diretor brinca com as possibilidades e coloca o espectador em locais improváveis. Em alguns momentos, você sente que não deveria estar ali espiando os acontecimentos, ao mesmo tempo em que aprecia a perspectiva inesperada.
Da visão fechada de Poirot sobre “certo” e “errado”, o filme desenvolve o seu questionamento da realidade. Quando entende o cerne do mistério que tem em mãos, as convicções do detetive são colocadas em xeque e, de repente, também começamos a pensar sobre as nossas. Será que algo pode justificar um assassinato? Um ato ruim compensa outro? O que você faria se estivesse na mesma posição?
Em frases muito bem encaixadas, Branagh esclarece como um assassinato não termina apenas naquele ato. É algo muito maior, que afeta a vida de várias pessoas, inclusive do assassino. O detetive mais famoso do mundo começa a olhar a vida de outra forma, assim como os passageiros do expresso.
Kenneth Branagh conhece todo o potencial da obra de Agatha Christie e acerta ao dosar bem essas qualidades. O que chega ao público é um filme redondo, que não deixa pontos em aberto e dá uma solução eficiente para quem acompanhou a intrigante investigação. Agora é esperar ansiosamente pela a sequência, que deve mostrar Poirot com seu famoso bigode investigando uma morte no rio Nilo.