Preocupada com a amizade entre seu filho de dezessete anos e um homem mais velho, de moral duvidosa, uma dona-de-casa, mãe dedicada, decide intervir. Descobre que se trata de uma relação homossexual. Pior, o filho se recusa a aceitar seus conselhos. Certa noite, nos arredores da casa da família, os namorados se desentendem. E brigam. Acidentalmente, morre o mais velho, o motivo da discórdia. Imediatamente, a mãe assume a proteção do filho, esconde o corpo, apaga todos os vestígios... e mergulha num cotidiano silencioso e aparentemente normal. Em tempos atuais, em que nada mais assusta ou constrange, a historieta acima passaria desapercebida. Acontece que The Blank Wall, o romance de suspense escrito por Elisabeth Sanxay Holding, foi publicado nos Estados Unidos no longínquo ano de 1947, em episódios periódicos, no inocente The Ladies Home Journal. Sucesso de público, elogiado até por Alfred Hitchcock (1899-1980), The Blank Wall viria a se tornar, em 1949, o filme Na teia do destino (The Reckless Moment), de Max Ophuls (1902-1957). Pois agora cabe aos diretores David Siegel e Scott McGehee, donos da produtora independente i5 Films, gerenciar uma nova versão da trama, coerentemente denominada Até o fim (The Deep End, 2001). Melodrama e feminismo As primeiras decisões tomadas por Siegel e McGehee demonstram um enriquecimento em relação ao original. No papel de Margareth Hall, a mãe do jovem Beau (Jonathan Tucker), a atriz Tilda Swinton exprime com fidelidade o contraste de coragem e tensão que envolve a personagem. Indicada ao Globo de Ouro 2002 pela atuação, Tilda, uma mulher de beleza exótica, pele branquíssima e enormes olhos azuis, intensifica o drama. E a escolha de Giles Nuttgens como diretor de fotografia, premiado em Sundance 2001, também se mostra acertada. O majestoso Lago Tahoe, onde se situa a casa da família Hall, serve de cenário principal das ações e potencializa o suspense. Como no romance de Elisabeth Holding, depois do acidente que resulta na morte de Darby (Josh Lucas), Margareth esmera-se na proteção de Beau... e se cala. Até que recebe a visita de Alek (Goran Visnjic, de ER), um chantagista que conhece todos os meandros do episódio. Ele exige uma fortuna em troca de silêncio. O que fazer? O marido de Margareth, um oficial da Marinha, encontra-se a milhas de distância. Oras, como diz o título, Margareth decide ir às últimas conseqüências. Entre levar as filhas ao balé e arrumar a casa, arranja tempo para salvar a reputação familiar. Diante de uma premissa tão intrigante, as soluções fáceis encontradas no final tiram um pouco brilho do filme. Uma pena. Se os primeiros contatos entre Margareth e o chantagista indicam uma tentativa de fugir ao maniqueísmo, o clímax e o desfecho exageram no melodrama. Talvez esse desvio não seja culpa somente dos realizadores. Boa parte do sucesso da história em 1947 deve-se à abordagem extremamente feminista da autora, até mesmo homofóbica; inclusive, numa das cenas mais inspiradas, um quase-beijo durante o acidente de carro, Siegel e McGehee recusam a insinuação de romance entre Alek e Margareth, que aflora no filme de 1949. No geral, Até o Fim fica marcado como um filme tecnicamente impecável, com algumas boas tiradas de câmera e de narrativa, e que trata muito bem a questão dos cuidados maternos. No entanto, fica sublinhado também por alguns clichês dispensáveis. Difíceis de se contornar, mas dispensáveis.