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As Aventuras de Tintim | Crítica

O difícil caminho da criação de Hergé até as telonas

19.01.2012, às 20H00.
Atualizada em 29.06.2018, ÀS 02H47

As Aventuras de Tintim é um sonho antigo de Steven Spielberg. O cineasta conheceu a história em quadrinhos de Georges Remi, o Hergé, quando um jornal francês comparou, na década de 1980, seu Indiana Jones e os Caçadores da Arca Perdida à série estrelada pelo repórter Tintim e seu fiel cachorro, Milu.

As Aventuras de Tintim

As Aventuras de Tintim

As Aventuras de Tintim

Desde então, o criador de ET e Jurassic Park sempre flertou com a possibilidade de realizar um longa-metragem baseado na mais conhecida obra da bande dessinée. Mas as portas fechadas do mercado norte-americano aos quadrinhos franco-belgas, dano colateral de rusgas da Segunda Guerra Mundial e com raízes que remontam à Revolução Americana, sempre formaram uma barreira nesse sentido - Tintim nunca foi popular nos EUA e os altos custos de produção de um filme assim exigiam garantias de retorno que só recentemente puderam ser cumpridas. Na última década, afinal, o modelo hollywoodiano tornou-se menos dependente das bilheterias dos EUA e Canadá, que sofrem declínio anual constante, e passou a usufruir do crescimento dos cinemas mundo afora, onde Tintim sempre teve alguma força.

Dessa forma, Spielberg buscou outros apaixonados pela obra - Peter Jackson, Joe Cornish, Steven Moffat e Edgar Wright - para dividir os esforços. Enquanto o neo-zelandês Jackson e ele assumiram a produção executiva e se alternam na direção (Jackson dirigirá o segundo), o trio britânico (conhecido por produções como Scott Pilgrim, Ataque ao Prédio e Dr. Who) cuidou do texto do primeiro filme - e já trabalham na continuação. O formato encontrado para adaptar a obra às telonas foi a computação gráfica com captura de movimentos e performance, técnica que ganha cada vez mais espaço e prestígio no cinemão blockbuster.

O resultado é brilhante. Divertidíssimo, ágil e bem-humorado, o filme empolga do início ao fim, ainda que não tenha muitos "respiros", sendo uma sucessão de grandes momentos de tensão e ação. Há que se estar preparado para o frenesi catártico, único desvio em relação à ritmada série criada por Hergé, cujas aventuras encontravam espaço para a investigação e longos diálogos entre a correria (evidenciados pela própria estrutura de quadrinhos por página, que segue uma linha clássica). Comparativamente, o filme de Spielberg é muito mais focado em um equivalente cinematográfico das "splash pages" (aquelas páginas em que uma ilustração ocupa a página toda), do que na estrutura elegante dos quadrinhos de Hergé. Exemplo disso é a sequência sem cortes, supercoreografada, da fuga do porto. Nunca houve nada tão explosivo nas HQs, mas na linguagem contemporâea da Sétima Arte, a solução funciona.

Em termos gráficos, se as imagens de divulgação lembravam os daguerreótipos mortuários do século 19, com os personagens parecendo cadáveres (o "vale da estranheza" é recorrente na animação por computação gráfica), quando o filme começa, tudo se dissipa em segundos. As formas caricaturais dos protagonistas, uma mistura de realismo com o traço de Hergé, convencem imediatamente, assim que se percebem os atores por trás das cascas digitais. A técnica da "performance capture" frequentemente evidencia a teatralidade das atuações (os atores não precisam esperar posicionamento de luz, câmeras, som, etc, atuando em um palco como fariam no teatro) e isso casa perfeitamente bem com o estilo do filme.

A trama faz uma fusão de dois álbuns de Tintim: O Caranguejo das Tenazes de Ouro e O Segredo do Licorne. Nela, depois do primeiro encontro de Tintim (Jamie Bell) e o Capitão Haddock (Andy Serkis), começa a caçada ao tesouro do pirata Rackham, o Terrível, uma perigosa jornada que reacenderá rivalidades ancestrais. O ponto de partida é excelente para apresentar os personagens principais e estabelecer o filme como uma história de origem, evitando os clichês do gênero.

E como toda computação gráfica é uma planta-baixa potencial para a estereoscopia, o 3D funciona perfeitamente bem. A profundidade é bem explorada tanto em cenas de beleza cotidiana (a pracinha do começo é insuperável) como nas grandes sequências de ação (a exemplo da luta de "espadas" do clímax).

Lamentavelmente, a qualidade apaixonada não parece ter sido capaz de gerar os números de bilheterias necessários para garantir que continuemos a acompanhar As Aventuras de Tintim na tela grande. Era esperado, mas o público dos EUA não quis nem saber do filme. 80% da renda até aqui veio de mercados fora dos Estados Unidos, o que talvez não compense uma continuação. Por outro lado, em filmes assim, uma parte representativa do orçamento fica no desenvolvimento e tecnologia - e isso já foi diluído no primeiro filme...

Fica a torcida para que a animação, um retorno de Spielberg à sua melhor forma e seu filme mais divertido em quase 20 anos, consiga recuperar seu investimento nos mercados em que falta abrir, no home video e licenciamentos. Há pelos menos 18 outros álbuns que renderiam aventuras igualmente memoráveis nos cinemas de Tintim, Haddock e companhia. As Aventuras estão só começando.

Conheça a história em quadrinhos em Hergé e Tintim

Nota do Crítico
Excelente!