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Segundo a teoria do caos, o bater de asas de uma borboleta no Japão pode causar catástrofes do outro lado do Oceano. O cineasta Alejandro González Iñáritu acredita plenamente neste pensamento. Na sua obra, um cachorro, um atropelamento ou um simples rifle podem desencadear uma série de eventos catastróficos. Babel (2006) chega para completar a trilogia iniciada há seis anos com Amores brutos (2000) e 21 gramas (2003). O título remete à Torre de Babel, uma referência bíblica à idéia de pessoas que falam línguas diferentes e não conseguem estabelecer comunicação entre si.
O roteirista Guillermo Arriaga, parceiro de Iñáritu também nos filmes anteriores, coloca a ação em quatro países diferentes (Marrocos, Estados Unidos, México e Japão) e, conseqüentemente, em quatro línguas distintas. O filme começa no deserto do Marrocos, onde um pai de família compra um rifle para proteger suas cabras dos chacais. Como trabalha fora, ele deixa a arma com seus dois filhos menores (os atores mirins estreantes Said Tarchani e Boubker Ait El Caid). Eles resolvem testar o limite de alcance do novo brinquedo. O menor, que sabe atirar, mira em um ônibus que passa na distante estrada desértica. Nele estão viajando Susan (Cate Blanchett) e Richard (Brad Pitt). O tiro acerta a mulher na altura do ombro, provocando pânico dentro do ônibus.
Nos Estados Unidos, Amelia (Adriana Barraza), a babá que toma conta dos filhos de Richard, recebe um telefonema avisando que Susan está hospitalizada. Mexicana, Amelia mora ilegalmente nos Estados Unidos há 16 anos. Com medo de perder o casamento do seu filho, no México, ela resolve cruzar a fronteira levando as crianças com Santiago (Gael García Bernal), seu sobrinho.
Enquanto isso, a jovem surda-muda Chieko (Rinko Kikuchi) fica sabendo da tragédia que aconteceu na África através dos noticiários japoneses. Mas a sua ligação com os demais eventos só será mostrada com o desenrolar da trama.
Mais do que coincidências
Para alguns o filme pode parecer uma colcha de retalhos de impossíveis coincidências, com uma forte manipulação emocional. Mas isso não importa. O objetivo de Iñáritu é mostrar que neste mundo globalizado, as pessoas estão cada vez mais distantes. Falta uma verdadeira comunicação desprovida de preconceitos e desde o 11 de Setembro a paranóia se instaurou. Depois que Susan é atingida, os outros turistas do ônibus ficam desesperados, achando que estão na mira de um novo ataque terrorista. Os únicos sentimentos que a globalização parece ter propagado pelo mundo são a violência e o medo de se tornar mais uma vítima.
Para Iñáritu, a conseqüência disso tudo é o isolamento. Susan e Richard estão afastados um do outro. Eles não se perdoam por terem perdido um filho. Culpam um ao outro e a si mesmos. Amelia se isolou de sua família ao tentar uma vida melhor nos Estados Unidos. No Marrocos, é a falta de um adulto por perto que faz com que duas crianças utilizem uma arma de fogo como brinquedo.
E no Japão, onde existe uma enorme cobrança por sucesso, tudo o que se vê é a solidão. Yasujiro (o veterano e ótimo ator Koji Yokusho), o pai de Chieko, é um rico e bem sucedido empresário que na sua caminhada para o sucesso foi se isolando cada vez mais da família. As cenas mais marcantes e poéticas mostram Chieko dentro de uma discoteca barulhenta com luzes berrantes. Iñáritu alterna momentos de extremo silêncio com ensurdecedores silêncios, mostrando que mesmo em um lugar repleto de pessoas, a solidão pode ser a sua única companheira. Chega a provocar lágrimas.
Todos falam a língua do cinema
O elenco está soberbo. Iñáritu sabe tirar o melhor de seus intérpretes. Veteranos, estrelas e estreantes desenvolvem seus personagens com idênticas camadas de profundidade, mesmo tendo diferentes níveis de exposições na tela. É gratificante observar que os meninos no Marrocos conseguem interpretações tão apaixonantes quanto os consagrados Brad Pitt e Cate Blanchett. Vale destacar ainda os trabalhos de Adriana Barraza (que merecia uma indicação ao Oscar) e da estreante Rinko Kikuchi, que mesmo sem falar usa toda a sua expressão e linguagem corporal para demonstrar seus sentimentos.
Do ponto de vista técnico, Iñáritu se cercou do melhor e o resultado final é um arroubo visual e sonoro. Rodrigo Prieto faz um excelente trabalho de fotografia. Com extrema competência, ele consegue mesclar os diferentes cenários sem deixar o contraste de cores entre a moderna cidade de Tóquio, o deserto do Marrocos e a pobreza do México se sobressaírem uns sobre os outros. A música de Gustavo Santaolalla (ganhador do Oscar por O Segredo de Brokeback Mountain) completa as cenas, surgindo hipnoticamente após longos silêncios.
Todo esse trabalho de excelência levou Iñáritu a ser premiado no festival de Cannes deste ano como Melhor Diretor. Sua narrativa imagética corrobora as mensagens sobre a solidão e a falta de comunicação. Mesmo com celulares, internet e satélites ainda não conseguimos transpor barreiras culturais e lingüísticas. A câmera de Iñáritu registra cada um desses momentos de perto, colada nos personagens como se buscasse uma solução. É a linguagem cinematográfica em todo o seu esplendor.