Filmes

Crítica

Excessos de Babilônia servem de distração para fragilidades de Damien Chazelle

Viagem frenética evidencia as vulnerabilidades do diretor em empreitada admiravelmente genuína

18.01.2023, às 17H39.
Atualizada em 18.01.2023, ÀS 17H59

Babilônia é um atestado da magia do cinema. Não exatamente porque Damien Chazelle romantiza a Era de Ouro de Hollywood homenageando sua beleza, imprevisibilidade, progresso e suas figuras marcantes - inclusive, pelo contrário. O épico de Chazelle funciona como aquela boa e velha “carta de amor ao cinema” precisamente por seus tropeços. Nada testaria mais a força da sétima arte do que um filme como Babilônia, cheio de excessos, excrementos (sim, de todos os tipos), personagens odiáveis e mensagens vacilantes, e que mesmo assim consegue ser mágico e inegavelmente deslumbrante. 

Parte disso vem do fato de que, em termos de história, Chazelle não tem a ambição de construir mais do que uma reimaginação de Cantando na Chuva (uma cilada por definição), na qual o foco é a transição do cinema mudo ao falado e as turbulências do período de ajuste para agentes de todos os níveis de Hollywood. Aqui, acompanhamos uma variedade de astros e aspirantes a astros: o auge da carreira de Jack Conrad (Brad Pitt), a ascensão de Nellie LaRoy (Margot Robbie) e a escalada de Manny (Diego Calva), permeados também pelos caminhos dos marginalizados da indústria, com relances pela vida de Lady Fay Zhu (Li Jun Li), uma cantora de cabaré chinesa, e Sidney Palmer (Jovan Adepo), trompetista negro que encontra seu caminho para as orquestras cinematográficas.

As possibilidades com esse leque de personagens são infinitas, mas Chazelle tem dificuldade de tirar os olhos de seu interesse principal, feito do mesmo molde dos protagonistas melancólicos e perfeccionistas de sua filmografia, personificado desta vez por Jack Conrad. Não importa que Diego Calva entregue, com habilidade, a figura certamente mais carismática e complexa, ou que Sidney e Fay Zhu ofereçam muito mais em termos da exploração da indústria. O foco do cineasta é Jack e Nellie - ou Pitt e Margot - e o motivo é simples: as estrelas conhecidas por seu magnetismo interpretam figuras idílicas e superficiais, e Babilônia não está interessado em aprofundar nenhum de seus personagens. Até por isso, vale dizer, o retrato dos “marginalizados de Hollywood” acaba com um gosto amargo, de quem foi incluído por obrigação após certas polêmicas de La La Land.

A recompensa é que o movimento faz parte de uma vontade muito maior de entregar um espetáculo, e isso Babilônia, Chazelle e Justin Hurwitz, compositor e parceiro frequente do diretor, fazem muito bem. Desde a cena de abertura, que se prolonga em uma festa extravagante e orgíaca dos tempos dourados de Hollywood, mas principalmente em uma longa sequência que explora os perrengues de um set de filmagem, a produção de Babilônia é irresistivelmente envolvente, capturada com paixão visível pela aliança de Chazelle e seu diretor de fotografia, Linus Sandgren

A ideia é, basicamente, nunca parar no lugar, transmitindo a sensação de caos, anarquia e tumulto de um set da época, enfatizando o perigo e as injustiças deste cenário, mas finalmente aliando perrengue ao sentimento de propósito e recompensa. E enquanto Babilônia tenta atribuir um certo senso de absurdo a isso tudo, o filme não consegue evitar a clássica postura autocongratulatória dessas narrativas. É um caminho tortuoso, que chacoalha freneticamente a câmera mostrando o desprezo pelas vidas - para finalmente parar para respirar no voo de uma borboleta. É lindíssimo de ver, engraçado, perfeitamente atuado, e bem embalado no transtorno harmonioso de Hurwitz. Agora, se tudo isso faz sentido ou cai bem, é outra história. 

Fato é que Babilônia não presta muita atenção no que diz, até porque sua tese principal - a da imortalidade do valor cinematográfico, de que “o ator não importa, mas seu trabalho viverá para sempre” - está o tempo todo em conflito com os absurdos que Chazelle decide colocar em tela. O discurso, falado em voz alta por uma das melhores personagens do filme, a jornalista Elinor St. John (Jean Smart), ainda soa descolado em sua época, em que era difícil visualizar o efeito duradouro das obras cinematográficas. Além de esbanjar autoimportância, a ideia em si contrasta com o que Babilônia, inclusive, acaba por retratar: que tudo aquilo era sim, no fim das contas - e ainda bem -, absolutamente acidental ou passageiro. 

Chazelle parece confuso com tudo que quer dizer, no que quer focar e que mensagem quer transmitir, principalmente quando se propõe a vocalizar suas ideias. Babilônia soa como um épico nostálgico de um tempo perigoso, que por não conseguir se sustentar nas suas bases estende a mão ao futuro para conseguir se explicar. É por isso que tudo que o diretor quer dizer é muito melhor retratado em uma montagem completamente brega sobre a magia do cinema, exposta na reta final de Babilônia. É estranho e meio ridículo, sim, mas a ousadia de terminar um filme tão esteticamente coeso com um embaralhado de imagens absurdas é admirável. 

É difícil não apreciar, portanto, a ingenuidade que Chazelle demonstra em Babilônia, por mais que as 3 horas do filme expressem sua completa maturidade técnica. É um pouco doce, como o voo de uma borboleta, se você decidir olhar por cima de um filme esquisito em sua moralidade. No fim das contas, ele prova seu ponto quase sem querer, porque poucas coisas podem salvar um filme questionável: Babilônia, para o seu próprio bem, tem todas elas. 

Nota do Crítico
Bom