Depois de uma primeira década dos anos 2000 de sucesso com Amores Brutos e Babel (este já em Hollywood), Alejandro González Iñarritu logo se tornou um dos cineastas mexicanos “do momento”. Ao lado de Guillermo del Toro e Alfonso Cuarón, Iñarritu foi alçado ao patamar de queridinho da indústria. Veio o sucesso, e seus dois filmes seguintes, Birdman e O Regresso, não só foram sucessos incontestáveis em termos mercadológicos, como alçaram o cineasta ao posto de um dos artistas mais premiados pela Academia no século, com quatro estatuetas: uma de melhor filme, duas de melhor diretor e uma de melhor roteiro original (este último ao lado de outros três roteiristas, vale destacar).
Iñarritu, então, descansou. Após sete anos sem lançar um filme, está de volta com BARDO, Falsa Crônica de Algumas Verdades, filme que narra uma experiência metalinguística do diretor, colocando o próprio cinema no divã e refletindo sobre sua relação com a indústria e com sua terra natal. O que se encontra aqui é uma narrativa sobre um artista que está viajando por seu país natal enquanto reflete sobre sua carreira, mas Iñarritu, em vez de explorar essas ideias a partir do roteiro – co-escrito por Nicolás Giacobone –, o faz a partir dos elementos visuais.
A direção parece sempre tratar de um personagem entorpecido, perdido. A montagem constantemente escala a fantasia dos acontecimentos com um simples corte. Com isso, cria-se uma desordem para narrativa que faz pouco importar o que de fato está sendo dito diante do que está sendo mostrado. A fotografia mantém uma característica forte de O Regresso (mesmo que com outro diretor de fotografia): buscar força visual na contraluz - mas aqui, não para fins de poesia visual, mas de confusão, de falta de um terreno seguro para existir. É um filme que leva para sua forma as incertezas que permeiam a mente de seu protagonista e autor.
Iñarritu sabe que é visto como um autor egocêntrico e pretensioso, e não se furta de, no meio do filme, falar sobre isso para ressaltar sua falta de um “lar”. Se o prestígio em Hollywood era sua grande aspiração e, portanto, um plano bem-sucedido, isso trouxe um custo: sua perda de identidade aos olhos de muitos mexicanos reflete tanto na aura errante e isolada de seu personagem, quanto na sua relação com os conterrâneos que constantemente criticam sua “americanização”. Entretanto, Bardo é perspicaz ao não permitir sua narrativa se prender demais a essa discussão. Por mais que o filme possa ser visto como uma experiência ególatra, que a todo momento fala sobre o próprio autor, isso é assumido como algo natural, escrito e dirigido sem vergonha de ser assim.
Se não faltam ideias para narrar essa jornada em busca de identidade e respostas, parece faltar um pouco da imaginação visual que Iñarritu demonstrou em outros projetos. Bardo muitas vezes é filmado de forma truncada. As cenas intimistas, que falam sobre o isolamento do autor, são belas, fluidas, e abraçam a humanidade dos personagens, enquanto as megalomaníacas parecem um pouco genéricas, abrindo o escopo para filmar grandes cenários recheados de figurantes e acontecimentos, mas que não compõem imagens fortes. Há uma estética excessivamente televisiva que não valoriza a potencial magnitude do que se encontra diante das lentes.
Talvez o que valha a crítica seja a aparente dificuldade de Iñarritu de se entregar às imagens que criam uma experiência mais experimental e menos típica do cinema narrativo. É difícil não lembrar do 8½ de Fellini em alguns momentos. Mas, enquanto o italiano abraça o caos e a força das sequências para além de qualquer buscar por sentido, o mexicano parece sempre querer embutir simbolismo e significado em tudo que é projetado. Como se não pudesse haver um fotograma das quase três horas de filme que deixe o autor de lado e opere sozinho pelo simples deleite visual.
Entre seus erros e acertos, Bardo é um filme que merece ser visto e discutido para além de ser bom ou ruim; é um filme que vale a discussão por nos mostrar um cineasta ciente de sua jornada e de tudo que seus críticos falam sobre sua filmografia. Para além das pretensiosas sequências á la Birdman, Bardo interessa por mostrar o lado vulnerável de seu cineasta, que filma seu protagonista alter-ego como um sujeito em uma eterna busca por paz. Em um tempo em que o cinema blockbuster parece ser cada vez mais homogêneo, é interessante encontrar em grandes produções um esforço por algo autoral e que fale sobre seu próprio processo de construção, mesmo que esse projeto seja tão pretensioso quanto falho.