Nunca tive uma relação afetiva com Roberto Carlos. Conheço e gosto de algumas canções, da Jovem Guarda principalmente, e lembro dos versos grudentos daquelas lançadas em clipes no Fantástico - como "Coisa bonita, coisa gostosa/ Quem foi que disse que tem que ser magra pra ser formosa?" ou "Não tire esses óculos/ Use e abuse dos óculos". O que torna o "Rei" soberano na música brasileira, contudo, permanecia um mistério para mim.
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Logo, assistir À Beira do Caminho, um filme baseado nas músicas de Roberto Carlos, configurava um desafio. Porém, o diretor Breno Silveira, segue o mesmo caminho de 2 Filhos de Francisco, sendo capaz de levar sua história além do material que a inspira. A trama é universal: um homem, o caminhoneiro João (João Miguel), calejado por uma tragédia, se torna amargo e fechado. Sua realidade se transforma com a chegada de uma figura inocente e aberta à vida, o menino Duda (Vinícius Nascimento), órfão de mãe que sonha em encontrar o pai em São Paulo. O Rei e suas canções aparecem discretamente, apenas pontuando as mudanças na vida do seu protagonista, um fã declarado do cantor.
Das 12 canções inicialmente pensadas por Silveira para o filme, Roberto Carlos liberou apenas quatro. A restrição acabou por dividir o roteiro, escrito por Patrícia Andrade (parceira do diretor em 2 Filhos de Francisco e Era Uma Vez...) em quatro atos, sensivelmente marcados pelas letras. "Tanto tempo já passou e eu não te esqueci", de "A Distância", que mostra o amor perdido de João; "Às vezes em certos momentos difíceis da vida, em que precisamos de alguém para ajudar na saída", de "Amigo", onde a inocência de Duda começa a conquistar o caminhoneiro; "Você foi.../ O melhor dos meus erros/ A mais estranha história/ Que alguém já escreveu", de "Outra Vez", quando João começa a acertar as contas com o seu passado; e a redenção, "Eu voltei!/ Agora prá ficar/ Porque aqui!/ Aqui é meu lugar", de "O Portão".
Entre os atos, surge a estrada. Silveira faz da sua homenagem a Roberto Carlos um road movie, onde pequenas cidades e riachos à beira do caminho são belamente retratados pela fotografia de Lula Carvalho (Tropa de Elite, Paraísos Artificiais) e marcam o trajeto do Nordeste ao Sudeste do Brasil. Percurso assinalado também pela sabedoria dos para-choques, revelando lições pertinentes como "Para quem não tem nada, metade é o dobro" e "Espere o melhor, prepare-se para o pior, e aceite o que vier".
Mais do que uma bela homenagem a um cantor que, goste ou não, é parte essencial cultura brasileira, À Beira do Caminho é um bom filme. Sua realização mostra um diretor obstinado, não apenas em levar aos cinemas a música popular, mas em revelar o povo que a escuta. Suas escolhas abrem um novo universo para o espectador, muito além do "Melô das Gordinhas" da minha infância.
À Beira do Caminho | Trailer
À Beira do Caminho | Cinemas e Horários