Filmes

Crítica

Besouro Azul é filme repetido salvo pelo borogodó latino

Longa de Ángel Manuel Soto convence ao focar na família Reyes

16.08.2023, às 19H06.

Mais de 20 anos depois de X-Men revitalizar os filmes de super-herói, já se tornou raro ser surpreendido pelo gênero, principalmente pelas histórias de origem. Para a infelicidade de alguns, Besouro Azul, penúltimo filme do DCEU, segue essa fórmula quase à risca ao apresentar Jaime Reyes, sua família e o escaravelho alienígena que lhe dá poderes. Da relutância em aceitar o tal “chamado à aventura” a tragédias pessoais, o garoto vivido por Xolo Maridueña passa por todos os lugares-comuns nesse primeiro contato live-action com o público. Ainda assim, o longa baseado na HQ da DC Comics consegue se destacar graças à latinidade escancarada trazida pelo diretor Ángel Manuel Soto.

Dar uma roupagem étnica não é mais uma novidade; Pantera Negra, Shang-Chi e Ms. Marvel, inclusive, já mostraram que, nas mãos certas, essas escolhas compensam a recorrência dos velhos clichês. Ainda que Soto e o roteirista Gareth Dunnet-Alcocer não alcancem os mesmos altos de outros títulos do gênero, a dupla ainda consegue transformar o sangue latino em arma para adicionar cor e coração em um nicho cada vez mais marcado pela indiferença criativa e visual. Do onipresente neon colorido à ótima dinâmica da família Reyes, Besouro Azul dá aos seus tropos batidos uma energia única e deliciosa, especialmente para quem consegue se enxergar nos vários momentos de união familiar e nas referências a Maria do Bairro e Chapolin Colorado.

A latinidade não é, de forma alguma, o único atrativo de Besouro Azul. Mais do que uma representatividade vazia ou alguns clichês enfileirados, o filme é uma sessão pipoca extremamente divertida, cujo humor afiado é muito bem trabalhado tanto pela direção quanto pelo elenco. Enquanto Maridueña prova o quanto amadureceu como ator da primeira temporada de Cobra Kai para cá, seus coadjuvantes o ajudam a carregar o peso emocional que vem com cada desenrolar da trama. George López, em especial, se mostra um companheiro de cena perfeito para o jovem ator ao ditar as batidas cômicas e sentimentais do roteiro sem ofuscá-lo.

Ponto de interesse do público brasileiro em particular, Bruna Marquezine não desperdiça sua primeira grande chance frente ao mercado de Hollywood. Com um papel surpreendentemente grande para uma recém-chegada na indústria, a atriz rouba toda cena em que aparece, especialmente aquelas que exigem mais de seus talentos dramáticos que cômicos. Mais do que uma estreia de gala, a brasileira faz de Besouro Azul seu grande cartão de visita para os grandes estúdios e, ao menos por enquanto, se posiciona como uma estrela em potencial que merece chances em grandes produções lá fora.

A família de Jaime é mesmo a grande força de Besouro Azul. Soto e Dunnet-Alcocer criam personalidades únicas para cada um dos Reyes, por vezes a partir de premissas estereotípicas, mas sempre preservando suas próprias experiências e convicções. A química entre Maridueña, Lopez, Elpidia Carrillo, Damián Alcázar, Belissa Escobedo e Adriana Barraza faz desse núcleo em particular uma das famílias mais realistas e divertidas dos filmes de super-herói. O carinho palpável do elenco pelas histórias que estão contando faz com que a produção saia do “divertidinho” para alcançar algo bom e mais genuíno.

Apesar da ótima construção dos mocinhos, os antagonistas do filme deixam muito a desejar. Victoria Kord (Susan Sarandon) e Carapax (Raoul Max Trujillo) poderiam ser substituídos por qualquer CEO ganancioso e seus capangas musculosos que já enfrentaram heróis, párias e anti-heróis nos quadrinhos ou nas telas. Por mais que Sarandon se esforce e entregue uma atuação sólida, sua personagem é pessimamente desenvolvida, e sua inevitável derrota talvez seja incapaz de gerar qualquer sentimento no público para além da indiferença e do déjà vu.

Há também uma certa inconsistência na qualidade das sequências de ação. As primeiras vezes que Jaime ativa o escaravelho, seja testando suas habilidades ou tentando proteger sua família, são editadas de forma apressada e frenética, sobrecarregando o espectador com luzes e sons indistinguíveis dos vistos em tantos outros blockbusters. Esse ponto é redimido a partir do terceiro ato, quando Soto deixa a influência dos animes e tokusatsus aparecer de forma mais explícita em tela. Com coreografias inspiradas e uma montagem bem menos brusca, as cenas da segunda metade de Besouro Azul constroem uma ótima crescente e chega a ser surpreendente que a batalha final contra Carapax tenha sido dirigida e editada pelas mesmas pessoas que criaram a cena do primeiro voo do herói.

O desconforto desta inconstância, no entanto, nunca abandona o espectador. Mesmo que nunca chegue perto de entediar, parece que falta alguma coisa ao longa — uma sensação de incompletude ou insatisfação que a repetição das mesmas histórias e das mesmas situações depois de vinte anos de super-heróis nas telas certamente contribui para inflamar. Resta ao filme se afiançar na sua latinidade, o que por fim Besouro Azul faz com graça e autenticidade.

Nota do Crítico
Bom