Cena de Better Man - A História de Robbie Williams (Reprodução)

Filmes

Crítica

Better Man prospera na paixão (de biógrafo e biografado) pelo espetáculo

Biopic de Robbie Williams dobra como declaração de amor às incongruências da fama

10.12.2024, às 11H47.
Atualizada em 10.12.2024, ÀS 12H03

Difícil não sair da projeção de Better Man sem a impressão de que Michael Gracey e Robbie Williams foram feitos um para o outro. O diretor, que vem de uma formação como artista de efeitos especiais e se tornou nome forte em Hollywood após o sucesso de O Rei do Show, divide com o ex-integrante do Take That, que se tornou um dos maiores popstars do planeta (e provavelmente o maior popstar do Reino Unido), uma paixão irremediável pelo espetáculo. O impulso de ambos, como artistas, é mergulhar nos exageros mais cafonas do showbusiness sem lastro de culpa acadêmica, e de alguma forma extrair deles o que há de mais puramente, instintivamente prazeroso como narrativa - e como terapia. Eles estão aqui pelo básico, e chegam no básico pelo caminho mais extravagante possível.

A junção desses dois direcionamentos concomitantes, curiosamente, produz em Better Man um filme que encontra na indulgência o seu charme, e não o seu calcanhar de Aquiles. Até porque, de certa forma, a história de Williams é a mais arquetípica possível quando se pensa em cinebiografias de super-astros da música: o menino que teve os sonhos de grandeza incutidos na cabeça por um pai (Steve Pemberton) que idolatrava Frank Sinatra e abandonou a família para viver seus sonhos pequenos de comediante stand-up, acabou passando no teste para uma boyband gerenciada por um tirano (Damon Herriman) que pouco pagava aos integrantes, se deslumbrou com o mundo de sexo, drogas e (não exatamente) rock n’ roll, aprendeu a se odiar muito cedo e demorou décadas para “se encontrar” como artista solo e homem adulto minimamente funcional - fraturando muitos relacionamentos pelo caminho, é claro.

Como contar essa história familiar de forma que a familiaridade não se torne tédio, mas também de forma que a nossa curiosidade mórbida por ela não se transforme em certa repulsa pelo desrespeito à privacidade de um ser humano? Back to Black perdeu esse segundo balanço, enquanto Rocketman teve a ideia certa ao abraçar certa fantasia para evitar o primeiro. Better Man pende mais para o último desses exemplos (até porque Gracey foi produtor da biopic de Elton John), mas vai mais longe nessa invenção alegórica ao apostar alto em um truque específico: o de substituir um protagonista de carne e osso por um macaco de CGI. É como se, no lugar de Taron Egerton, tivéssemos o Caesar da nova trilogia Planeta dos Macacos - e, de fato, é a mesma WETA que realiza a versão símia de Williams em Better Man.

Até pelo background de Gracey nos efeitos especiais, a integração do protagonista digital no mundo do filme funciona sem muitos obstáculos. Mas é claro que o comprometimento do filme com a fantasia também ajuda: em nenhum momento do longa se reconhece que Williams é o único macaco de CGI passeando por esse mundo de humanos, e Better Man não parece hesitar nem diante da decisão de fazer o tal chimpanzé assumir os muitos visuais que o cantor teve durante os anos. O que a artificialidade do seu protagonista permite a Gracey, enquanto isso, é esticar as suas ideias mais bizarras de continuidade e movimento, armando um filme que é muito mais um espetáculo de cabaré de 2h do que um drama biográfico tradicional.

E não é que Better Man não conte a história de Williams - de fato, o roteiro assinado por Gracey com os estreantes Oliver Cole e Simon Gleeson acerta em cheio ao fazer dos altos e baixos da vida do popstar britânico, que em outras mãos poderia ter virado uma sucessão sem graça de triunfos e revezes que pouco se conectam um com o outro, uma espécie de ode às incongruências da instituição da fama como a conhecemos desde meados do século XX. Narrativamente, Better Man abraça o amor absurdo que temos pela celebridade, a validação que encontramos no aplauso do outro, o anseio insaciável que nutrimos por ouvir que somos especiais, que somos alguém, que nossa identidade existe também nos olhos de quem nos vê.

Williams aceita que, talvez, querer tudo isso - e querer o bastante para se sujeitar às indignidades de uma indústria hostil à humanidade (mas qual indústria não é?) - pode significar que ele é “menos evoluído” do que nós. Mas ele também sabe muito bem que tem as manhas para nos fazer “descer ao seu nível”, e Gracey é o aliado perfeito para montar um espetáculo de vulgaridade que é também - talvez, justamente por ser vulgar - pulsantemente, e irresistivelmente, humano. Puro showbusiness, no melhor sentido possível.

*Better Man: A História de Robbie Williams estreia em 6 de março nos cinemas brasileiros

Nota do Crítico
Excelente!