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Bird Box/Netflix/Divulgação

Filmes

Crítica

Bird Box

Filme da Netflix com Sandra Bullock tenta alternar entre catástrofe e reflexão - mas não faz nada particularmente bem

22.12.2018, às 10H01.
Atualizada em 09.05.2023, ÀS 12H00

Anualmente, a Netflix solta toneladas de filmes e séries em sua plataforma online. A ideia é investir em quantidade, para que exista conteúdo para todos os nichos. Alguns desses viram destaques, mas a grande parte dos casos de sucesso - Stranger Things, A Barraca do Beijo e La Casa de Papel, para citar alguns - são inesperados, ao ponto de que a empresa quase não fez marketing para eles. Ironicamente, os produtos promovidos pelo serviço de streaming, com longas campanhas pré-lançamento, costumam afundar no catálogo, seja pela expectativa ou por serem medianos. Bird Box, que tem nomes de peso no elenco e grande divulgação pela Netflix, é um bom exemplo disso.

Adaptação da obra de Josh Malerman, a trama acompanha Malorie, uma solteira prestes a tornar-se mãe e com muitas inseguranças quanto a isso, seja temendo que um filho atrapalhe sua vida ou que sua complicações emocionais afetem a criança. Essas preocupações evoluem para outro patamar quando uma força misteriosa passa a atacar o mundo, fazendo com que qualquer um que olhe para ela seja levado à insanidade, homicídio ou suicídio.

O filme se desenrola em dois momentos diferentes: durante o surto inicial, com Malorie tendo que ficar confinada com outros sobreviventes, sem entender a natureza da ameaça que enfrentam; e alguns anos no pós-apocalipse. A ideia é ver o mundo pelo presente, e então retornar ao passado para entender como tudo ficou daquele jeito. É um conceito interessante que é mal trabalhado por abusar de todos os clichês possíveis em suas duas extremidades.

O passado é facilmente a pior parte. Logo após ver a morte de sua irmã Jessica (Sarah Paulson), Malorie é ajudada por um grupo que se abrigava em uma casa próxima. A partir daí a trama toma uma abordagem de Suspense de Catástrofe, seguindo a risca a fórmula de um Madrugada dos Mortos: as pessoas são diferentes entre si e cada um tem uma diferente interpretação da tragédia, portanto surgem conflitos tanto pelas personalidades distintas quanto pelos planos de ação - já que um acredita em conspirações enquanto outro opta por esperar ajuda dos militares e etc. É uma estrutura tão batida que só pode ser salva por duas coisas: personagens marcantes, que realmente criem empatia e ou sentimentos fortes no espectador (como em A Névoa), ou uma ameaça tão impressionante em número, escala ou horror que o público se sinta tão amedrontado a ponto de ver os personagens como meros coadjuvantes ou apenas futuras vítimas para o antagonista, como em slashers à lá Sexta-Feira 13.

O filme chega perto de acertar no segundo caso. A presença inimiga tem um toque cósmico de H.P. Lovecraft, tratando com indiferença os seres humanos - mas forte o bastante para ser ponto central de cultos e de arruinar vidas com um mero olhar. O grande problema está no foco: a ameaça nunca foi o destaque do longa, e é aí que o primeiro caso se torna um problema. Quase todos os personagens são sem graça, com peculiaridades forçadas e repetitivas. O único destaque fica para John Malkovich, interpretando Douglas, o preconceituoso e agressivo dono da casa onde todos estão refugiados. Malkovich acerta em cheio todas as emoções conflitantes que surgem de uma pessoa desprezível, mas deixa claro que também é uma "vítima" da ocasião e não só um babaca por natureza - ainda que se veja assim.

De resto, até as situações em que o grupo é colocado parecem saídas de qualquer outra obra do gênero, como a pessoa ingênua que abre a porta do abrigo para estranhos ou as personalidades opostas (aqui, um traficante e uma policial) cheias de tensão sexual, usada para alívio cômico. Você já deve ter visto tudo isso antes, e foi melhor na primeira vez.

Apocalipse Now

Já a segunda metade de Bird Box, intercalada com as cenas dos sobreviventes, traz uma Malorie seca e endurecida por eventos traumáticos. Ela precisa guiar duas crianças por um rio turbulento para alcançar um abrigo. A jornada serve como fio-condutor da trama, com cada fase do rio servindo como espelho para uma das memórias de Malorie - algo diretamente inspirado em Coração das Trevas, de Joseph Conrad.

É visível que essa é a parte principal do longa, com boa variedade de encontros tensos que a situação do trio possibilita. Em certo ponto, por exemplo, Malorie percebe um barulho vindo da névoa. Para não correr o risco de ser afetada pela presença, ela e as crianças colocam vendas - o que significa combater algo sem visibilidade alguma. A ameaça se revela como um homem fanático, parte de um culto que acredita que a salvação da humanidade está em aceitar a influência da força misteriosa.

São esses momentos que despertam a curiosidade de saber mais sobre esse mundo - não é à toa que todos já foram mostrados nas peças publicitárias - mas são poucos e espaçados para realmente compensar essa expectativa. Além disso, toda a construção de mundo vai por água abaixo quando o longa deixa claro que não tem lá muita coisa para dizer.

Mesmo alternando entre a catástrofe e o pós-apocalíptico, o foco é o estado psicológico de Malorie entendendo o significado de ser uma mãe. Pelo menos é isso que Bullock afirmou diversas vezes durante a exibição de Bird Box na CCXP18, ressaltando que tudo é "uma metáfora sobre a maternidade" e os inúmeros desafios que surgem a partir disso. As decisões narrativas parecem ir na direção contrária disso, trazendo algo confuso com sua própria identidade. A protagonista é apagada durante toda a jornada e não parece ter um arco evolutivo que seja comparável com os aprendizados de uma mãe de primeira viagem. Todo o conceito da produção é trazer uma nova perspectiva e mostrar mães do cinema como falhas e efetivamente humanas, mas a execução rasa só deixa a sensação de uma adaptação feita nas coxas.

Bird Box parece confuso com a própria identidade. Para compensar essa confusão, decide optar pelo barulho: sustos, progressão não-linear e filosofia das mais baratas para convencer o espectador de que está assistindo algo profundo. É um filme que não faz nada do que se propõe particularmente bem, mas que fala e fala sem parar - mesmo que não tenha nada a dizer.

Nota do Crítico
Ruim