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Crítica

Bird Box Barcelona mergulha na religiosidade e tenta capturar alma da cidade

Netflix tenta transformar em franquia internacional um de seus filmes mais bem-sucedidos

14.07.2023, às 19H03.
Atualizada em 14.07.2023, ÀS 19H14

Desde o lançamento de Bird Box, em 2018, o sentimento geral era de que uma continuação ou derivado do longa de Susanne Bier era questão de tempo. Protagonizado por Sandra Bullock, o terror de uma mulher presa em um mundo onde entidades sobrenaturais ceifam a vida de quem os vê logo se tornou um dos maiores sucessos da história do streaming. O derivado, porém, vai por outro caminho: não uma continuação, mas uma expansão desse mundo. Bird Box Barcelona chega para trazer novas nuances e perspectivas, retratando o mesmo universo, mas em outro país e em outro momento da história.

No cerne da narrativa, o mesmo dilema familiar, mas com uma nova perspectiva. Se na obra original, Bullock é uma mãe que precisa proteger sua família, no derivado de Álex e David Pastor, o astro de Contratempo, Mario Casas, interpreta Sebástian, pai que precisa manter sua filha segura em um mundo onde os resquícios de civilidade são mais escassos e a sobrevivência é o único mote em comum entre todos os grupos pelos quais ele e Anna (Alejandra Howard) passam. A associação com The Last of Us é inevitável, mas o longa dos Pastor acerta ao se limitar à inspiração da dinâmica familiar no apocalipse e permitir que seus personagens caminhem com suas próprias pernas e tenham suas próprias personalidades – mesmo que não muito complexas.

A principal diferença é que se The Last of Us está a todo momento desafiando o olhar do jogador-público ao colocá-lo diante de dilemas éticos e morais bastante humanos, Bird Box Barcelona está mais interessado nos dilemas religiosos de sua mitologia, introduzida no longa de 2018 e, aqui, tratada como tema central. Sebástian ganha alguma individualidade ao passo que toma atitudes boas e ruins de forma alternada, se tornando um vetor para discussões sobre fé e redenção bem típicas de obras cristãs. O que cabe como elogio aqui não é tanto para onde essas discussões são levadas, mas sim como os Pastor constroem imagens potentes a partir da dialética de sacrifício e redenção ao longo das duas horas de experiência. A crença se torna um mote potente para os personagens ao passo que a morte deixa de ser o fim e se torna um ritual, algo bem explorado na composição de imagens que mostram personagens morrendo das formas violentas, mas resignadamente.

No meio disso tudo, as dinâmicas entre a dupla principal e os grupos que encontram no caminho não oferecem muito além de diálogos que ressaltam o perigo e a desesperança desse universo. Os dilemas morais e éticos até existem, mas são apresentados de forma sucinta, sem deixar grandes marcas na trajetória dos protagonistas. No fim, o que se destaca mesmo são os simbolismos religiosos e como eles afetam a psique de seus personagens ao longo da trana.

Se as evocações religiosas são um ponto interessante de Bird Box Barcelona, a ambientação não justifica o título. O nome da cidade catalã no nome do longa sugere que Barcelona será um verdadeiro personagem da narrativa, quando, na verdade, só funciona pelas catedrais e simbolismos religiosos, e estes são tratados de forma genérica. Poderíamos substituir Barcelona por qualquer outra cidade sem grandes perdas. Mais parece, no caso, que a Netflix está testando o terreno para expandir a franquia globalmente, como tem feito com La Casa de Papel. E se o plano é franquear a obra aproveitando a personalidade de diferentes cantos do mundo, a Netflix precisará de algo mais do que filmes que parecem os sanduíches da Copa do Mundo do McDonald’s.

Nota do Crítico
Bom