Os dois primeiros lançamentos da edição de 2021 da coletânea Welcome to the Blumhouse, já de início, oferecem ao público enredos atentos ao protagonismo de grupos marginalizados e garantem uma combinação balanceada de gore e boas risadas. Em comparação com seu parceiro de lançamento, Bingo Hell, Negra Como a Noite (Black as Night, no original)peca por excesso de cautela, mas não deixa de prender a atenção do espectador desde a sequência de abertura dos créditos, que explora alarmantes manchetes em torno da questão do racismo e da segregação nos Estados Unidos, dos impactos do furacão Katrina e das marchas do Black Lives Matter, em 2020.
Com direção de Maritte Lee Go, o pseudo-terror teen é narrado por Shawna (Asjha Cooper), uma adolescente de 15 anos que se vê entre problemas com sua mãe (Kenneisha Thompson), dependente química que carrega as cicatrizes das famílias profundamente afetadas com a passagem do furacão, desentendimentos com seu irmão e uma tremenda insegurança em relação a si mesma, sua aparência e sua cor.
Impactada pelas visitas que faz à mãe no último e decrépito conjunto habitacional que restou na cidade, Shawna, de início, é caracterizada por sua ingenuidade e seu esforço em passar silenciosa e despercebida por aquele verão que, como ela mesma anuncia, mudaria toda a sua vida. Pedro (Fabrizio Guido), seu melhor amigo, gay e mexicano, cumpre o papel de equilibrar a personalidade introvertida da protagonista, enquanto descreve fatos históricos do passado de Nova Orleans que, por mais interessantes que sejam, são desperdiçados pelo roteiro, incapaz de criar um gancho real para aproveitá-los.
O enredo finalmente deslancha quando Shawna, ao voltar para casa sozinha de uma festa se depara com um indigente sendo atacado por duas figuras obscuras. Ao tentar interferir, porém, ela se vê atacada pelo que então percebe ser um vampiro sem teto. Passado o pânico inicial de ter pensado que se transformaria em vampira, Shawna consegue convencer Pedro do bizarro episódio ao descobrirem que sua mãe, tal como muitos dos moradores do conjunto habitacional, tinham também sido vítimas de ataques, que tinham como alvo mendigos e viciados dos quais ninguém mais parece sentir falta. É assim que, ao lado de uma nova amiga e entusiasmada fã da literatura vampiresca e de seu crush da escola, Shawna e Pedro partem em uma cruzada contra o clã de vampiros que planeja converter um exército de excluídos da sociedade.
Trazendo um elenco quase inteiramente negro, Negra Como a Noite não lida de fato com vilões, tendo como vampiro-chefe do perigoso clã um líder centenário comprometido em vingar as injustiças históricas cometidas contra os afrodescendentes no sul do país desde a época da escravidão.
Com recursos de humor e animação, o longa apresenta elementos importantes da luta antirracista norte-americana e atualiza uma discussão de autodescoberta e empoderamento, na relação de Shawna com sua própria negritude. O filme, de fato, traz muitos elementos de crítica social que, por vezes, parecem forçadamente incluídos em diálogos randômicos e exagerados, mas que não interferem no aproveitamento geral do enredo. Optando por respostas pouco radicais aos muitos dilemas apresentados ao longo da história, a trama perde fôlego ao se aproximar do fim e se apoia em amarrações fracas e incompatíveis com o clima alucinante que percorre boa parte do filme.
O saldo, contudo, é positivo. O longa diverte e cativa o público -- afinal, leva todo mundo a torcer tanto pelos vilões, quanto pelos mocinhos --, tendo por pano de fundo o real terror da história, na forma dos cadáveres produzidos pela segregação racial e pela marginalização da população negra que perduram nos Estados Unidos até hoje.