Houve um tempo quando todos nós tínhamos modelos de celulares diferentes. Uns dobravam, outros tinham um teclado maior, alguns vinham até com caixa de som potente. O panorama mudou quando o BlackBerry apareceu no mercado, o celular que trouxe muitas das tecnologias que estão em smartphones hoje. A ascensão ligeira e a queda dramática desse produto, que agora mais parece uma relíquia, chega aos cinemas em BlackBerry.
O longa inicia na década de 1990, quando o engenheiro Mike Lazaridis (Jay Baruchel) apresenta a uma empresa sua mais nova empreitada: colocar um computador dentro de um telefone celular. Apesar de suas boas ideias, faltava em Lazaridis a sagacidade e o jogo de cintura para impressionar potenciais investidores. E em uma reunião de pitch frustrada, o engenheiro conhece Jim Balsillie (Glenn Howerton), um daqueles vendedores aniquiladores, mas cuja posição na empresa estava por fio. Balsillie, então, age rápido e após conhecer o tímido engenheiro, que acabara de ter o seu investimento negado, propõe que eles abram uma empresa juntos. E assim nasceu a RIM (Research In Motion), companhia que mudou a cara da telefonia mundial graças ao lançamento do primeiro telefone a funcionar efetivamente como um smartphone no mercado.
Apesar de alguns desacordos entre os CEOs, uma vez que a empresa é montada, o filme rapidamente engata em direção à ascensão do celular na mídia e no mercado. Embora não tenham sido tão populares no Brasil, vale notar que, em seu auge, os BlackBerry dominaram 43% do mercado de telefonia móvel mundial. Essa ascendência tão almejada pelos executivos e cabeças da RIM passa quase como uma estrela-cadente após uma montagem de cinco minutos, e o filme avança para mostrar o começo do fim com o lançamento de um pequeno aparelho conhecido como iPhone.
Até pela trajetória simples do seu produto, BlackBerry pode decepcionar quem espera por reviravoltas mirabolantes ou tramas complexas. O roteiro quer levar o espectador até o fim desta história, contando o seu começo, meio e fim sem firulas ou reviravoltas. Embora apresente algumas das tramoias judiciais com que os executivos da marca tiveram que lidar ao longo de sua curta e impactante existência, Blackberry se apresenta como uma narrativa simples e didática.
Pode parecer pouco para gerar algum interesse pelo filme, numa época em que Hollywood encontrou nas “biografias de produtos”, como o Nike Air ou Tetris, um subgênero para acomodar suas narrativas triunfantes de glórias e lições de declínio. Mas BlackBerry tem o seu diferencial: é hilário do início ao fim. Reunindo referências que vão de The Office a The Thick of It (criação de Armando Ianucci, conhecido pelo humor ácido e ofensivo, em meio a cenários corporativos), BlackBerry faz uso de câmeras trêmulas, rápidas e muitos closes, e conta uma história que pode parecer desinteressante para muitos com ironias grotescas, constrangimento e humor seco.
Jay Baruchel (This Is The End) e Glenn Howerton respondem como protagonistas por boa parte da efetividade da comédia. Baruchel, um daqueles atores naturalmente engraçados, consegue depositar todo o desconforto, a fragilidade e a ansiedade social do inventor do aparelho em praticamente todas as cenas em que aparece. É fácil rir de seus trejeitos desajeitados ou suas frases sem nexo soltadas com nervosismo, seja em uma reunião com investidores ou durante uma negociação por telefone.
Já Howerton, a verdadeira estrela do filme, incorpora um pouco de Dennis Reynolds, seu personagem de It's Always Sunny in Philadelphia, mas com uma pegada cheia de crueldade. Sua atuação poderia colocá-lo em um posto ao lado de Peter Capaldi e seu implacável Michael Tucker de The Thick of It e In The Loop. Howerton, aliás, deveria estar entre os principais cotados para o Oscar deste ano, com uma atuação mais hilária do que a de um certo galã loiro em um filme de boneca.
No final das contas, BlackBerry se destaca em relação a outros filmes de produto ou produções sobre a ascensão de mentes brilhantes que revolucionaram o mundo da tecnologia por ser uma empreitada narrativa das mais modestas. É absolutamente linear a forma como acompanhamos a invenção do aparelho, seu desenvolvimento, sua ascensão e queda, porque não há tantas tramas paralelas ou o desabrochar de personagens. De tão simplória, e efêmera como a própria jornada do smartphone, a narrativa pode até mesmo ser lida na íntegra pela Wikipedia – a única coisa que não posso garantir com essa alternativa é sentir sua barriga doer de rir.