Quando o trailer de Boa Noite, Mamãe (Ich Seh Ich Seh, 2014) viralizou nas timelines, criou-se a expectativa de um filme de terror requintado, não dependente dos clichês mais-do-mesmo nos quais se apoiam a maioria dos lançamentos do gênero que chegam ao Brasil. Sem qualquer menção a fantasmas, monstros ou possessões demoníacas, o trailer apresenta a trama de dois irmãos gêmeos de 10 anos que desconfiam que a mulher recém-operada e com o rosto coberto por bandagens não seja de fato a mãe deles. O suspense reside na angústia da dúvida: o passeio noturno na floresta, o inseto devorado e um olhar manchado de sangue são pistas incertas que o garoto com o estilete na mão pretende esclarecer a qualquer custo.
A montagem em ritmo hollywoodiano do trailer, entretanto, nada se assemelha à cadência do filme, que abre mão do frenesi de cortes rápidos e efeitos sonoros repentinos peculiares ao terror para dar lugar a planos mais longos, parados, contemplativos. Espectadores educados na gramática do cinema narrativo americano talvez sejam surpreendidos pela levada "europeia" do filme e se sintam traídos pelo trailer. Mas essa levada, na verdade, é uma das virtudes de Boa Noite, Mamãe. Permite ao público absorver aquele universo rural austríaco e se inteirar de cada elemento em exposição - o fogo que queima através da lente de aumento, a caixa de insetos, as máscaras -, como quem se prepara para ser capturado pela história e finalmente ser posto em agonia.
Conduzido inicialmente sob a perspectiva dos garotos, o filme tem características de terror fantástico, principalmente nas cenas dos sonhos de Elias. As imagens ganham ares de uma angústia lírica, em que a tensão da dúvida sobre a identidade da mãe faz transformar em monstro o que há por debaixo daquele rosto enfaixado. Entretanto, nenhum dos sinais coletados pelos garotos confirma a desconfiança, apesar de nada também poder refutá-la. O comportamento da mãe, autoritário, agressivo, intransigente, associado à brincadeira em que é incapaz de adivinhar que a pessoa descrita no papel colado em sua testa é ela mesma e à recusa de alimentar ou dirigir a palavra a Lukas, um dos gêmeos, parecem levá-la ao inevitável momento de revelação da real personalidade. Porém, em um twist de perspectiva, o público se aproxima da mãe e os fatos ganham releitura. A técnica narrativa é magistral, feita de forma orgânica, capaz de reverter antagonistas e alterar o gênero de um terror fantástico para um terror psicológico.
Com isso, a história assume um novo contexto; abandona o lirismo imaginativo e passa para a dramaticidade objetiva. Pouco a pouco, o filme de Severin Fiala e Veronika Franz vai sendo encarnado por Michael Haneke e se torna um Funny Games com a mesma aura de torture porn, mas sem a consciência da crueldade. O terror continua intenso e gradativo, até culminar em uma revelação que, apesar de previsível, marca o fim da dúvida do início. Daí, o filme evolui para um final trágico coerente, e retorna à perspectiva lírico-imaginativa no sentido de cumprir o objetivo dos garotos desde o começo: ter a mãe de volta.
No fim, Boa Noite, Mamãe é um filme que, por mais que pareça alterar o clima de artístico-contemplativo para sádico, concilia muito bem as duas coisas. Se a imagem é de uma sala vazia com o ruído de uma cadeira que pendula, a atmosfera é, na mesma cena, de uma tensão crescente que preenche o cômodo e que anuncia uma explosão iminente. Ao contrário de Funny Games, a violência aqui não é gratuita, mas necessária.