Boyhood, o novo filme de Richard Linklater, na verdade não é tão novo assim. O diretor passou os últimos 12 anos acompanhando a vida do menino Ellar Coltrane - que interpreta o personagem Mason no filme - dos cinco aos 18 anos, da escola até a admissão na faculdade. Em 164 minutos, Boyhood fala de infância, juventude, casamento, divórcio, fala do medo do futuro e das coisas da vida de forma tão comovente que o espectador nem vê o tempo passar.
Depois de sua premiére mundial em Sundance, o filme teve a sua primeira exibição no Festival de Berlim, ontem, e foi ovacionado como num show de rock. Não supreenderá se Linklater sair da competição com o Urso de Ouro de melhor filme.
Por conta de seu processo atípico de filmagem - que já foi usado em outros filmes, como o recente Irmãs Jamais, de Marco Bellocchio - Boyhood é menos sobre a história de um menino, e mais sobre o passar do tempo, sobre coincidências, sobre como a vida de todos nós daria, sim, um filme. Nas entrevistas na Berlinale, Linklater afirmou ter rodado um total de 39 dias, cerca de três ou quatro dias de filmagens por ano, e disso tirou um estudo honesto sobre o cotidiano de uma família comum com pais separados e irmãos que se amam mas também brigam.
Além de Coltrane, Boyhood também conta com Patricia Arquette (que vive a mãe do menino), Lorelei Linklater (irmã de Mason no filme e filha do diretor na realidade) e Ethan Hawke (pai das crianças). Todos os anos o diretor se reuniu com suas estrelas para rodar as cenas, que são exibidas de maneira cronológica e fazem de Boyhood um filme de uma simplicidade deslumbrante. Linklater reuniu uma seleção de canções para pontuar temporalmente o filme. "Yellow", do Coldplay, abre o longa e deixa claro que a história começa em 2002. A chegada no tempo presente, por exemplo, quando Mason já dirige e se prepara para ir para faculdade, é marcada por "Get Lucky", do Daft Punk.
Apesar de ser um filme que se define em função da experiência adolescente americana, Boyhood consegue ser universal. O contexto varia, mas todos temos memórias de momentos para lembrar, bons ou maus, com pais, amigos, namoradas, colegas. Sem apelar para o melodrama ou a farsa, Linklater aborda todos esses temas e muitos outros da mesma maneira simples, sem piscar, como partes de um álbum de memórias da maneira efêmera que a própria vida é: aquilo que parece ser um enorme problema por um momento, passa sem ninguém perceber enquanto pequenas dores podem permanecer na alma para sempre.
É esse uso seletivo, mas cumulativo de experiências que parecem banais, mas são cheias de significado, que dão a Boyhood seu brilho. "Eu queria mostrar os momentos de amadurecimento que vemos nos filmes, mas numa produção só. Queria capturar como lembramos da vida, como o tempo passa. Não queria uma história dramática, às vezes há momentos dramáticos no filme, como acontece em nossas vidas, mas não é assim na maior parte do tempo. Tentamos ser o mais próximos possível da realidade", afirmou o diretor na coletiva após a exibição.
Bem perto do fim, depois de mais uma sequência de caminhada dos personagens - em Boyhood, assim como na famosa trilogia de Antes do Amanhecer de Linklater com Ethan Hawke, os personagens nos levam para passear durante diálogos -, o diretor saca uma piada de metalinguagem, como se o tempo de Mason estivesse apenas começando. O espectador até esquece a tristeza da despedida do filme - porque inconscientemente sabe que, a partir dali, poderá carregar o menino para sempre consigo.