O parentesco entre o terror Amizade Desfeita, de 2015, e o novo suspense Buscando... (2018) não é por acaso. A ação de ambos os filmes transcorre em telas de computador porque é essa a proposta da produtora Bazelevs, de Timur Bekmambetov, para o que o diretor russo chama de gênero "screenlife": histórias contadas sempre do ponto de vista de computadores e smartphones usando de interfaces de webcam, redes sociais e programas de troca de mensagem instantânea.
Sony Pictures/Reprodução
Se Amizade Desfeita, porém, era um filme bem radical na sua proposta - a tela do MacBook de Blaire era a tela do cinema, e toda a diegese se acondicionava nas janelas do desktop dela - Buscando... se permite já algumas liberdades. As interfaces de ferramentas de pesquisa, de organização de desktop e de apps de localização são usados no filme ao lado de câmeras secundárias (cuja instalação e uso são explicados para apresentar novos cenários, como acontecia nos terrores de found footage). A ideia é aproximar esse registro virtual de uma história de mistério policial mais tradicional. Se Amizade Desfeita foi o filme desbravador de uma linguagem, Buscando... dá um ou dois passos atrás para tentar estabelecer um elo entre essa nova linguagem com a gramática estabelecida do cinema narrativo americano.
Na teoria isso pode parecer uma involução, mas no filme do roteirista e diretor Aneesh Chaganty a busca por esse elo acontece de forma satisfatória. Em entrevistas, Chaganty diz que estava reativo a contar um filme com telas porque isso lhe parecia só um floreio de linguagem, e seu temor não deixa de se impor em Buscando...: nem toda situação no filme se justifica ou se potencializa no ponto de vista das telas, mas uma vez aceito pelo espectador (o esperto prólogo que conta a história da família por meio do passo-a-passo do Windows XP é muito eficiente nesse sentido) esse enunciado se estabelece sem grandes tropeços.
Acompanhamos o drama de David Kim (John Cho), viúvo que se desespera ao descobrir que sua filha adolescente desapareceu. Ao mesmo tempo em que a investigação acontece, David mergulha na vida virtual da filha atrás de pistas. Com isso, Chaganty poderia realizar um filme que, bem à moda hollywoodiana, trata a Internet (e as coisas da juventude em geral) de forma alarmista, mas Buscando... não vilaniza o virtual. O filme confia que as pessoas não são vítimas da rede e sim sabem moldá-la a seu favor - e a partir disso Chaganty consegue mesmo utilizar a web e suas ferramentas como um canal de suspense investigativo de forma eficiente.
Os "perigos" do online inclusive rendem momentos de ironia, como a menção ao show de Justin Bieber ou as mudanças de discurso dos oportunistas diante de fases diferentes da tragédia. Com a exposição do caso na mídia, a reação de manada se presta a um excelente terceiro ato no filme, em que tudo espiraliza no descontrole. Esse é um exemplo de como Buscando...consegue do começo ao fim criar os elos entre a linguagem do tal "screenlife" com as viradas já esperadas de um thriller. O resultado é um suspense em que os truques da interface online se prestam mais à exposição do que a uma imersão narrativa em si (de novo, Amizade Desfeita é mais forte nesse sentido), mas graças a sacadas pontuais e uma reviravolta final realmente engenhosa, Chaganty faz um whodunit que entrega o que promete.