Por mais que os “cidadãos de bem” apreciem a moral e os bons costumes, existe um elemento que os tira facilmente do bom caminho: dinheiro. O fascínio por quem faz essa transição de mocinho para bandido é uma constante no cinema, seja em filmes com Wall Street no título ou em produções que mostram a corrupção na busca de uma vida melhor, como Scarface.
A versão dirigida por Brian De Palma e estrelada por Al Pacino é uma das inspirações de Cães de Guerra, a tentativa de Todd Phillips de versificar uma filmografia até então centrada na franquia Se Beber, Não Case!. Para contar a história de Efraim Diveroli (Jonah Hill) e David Packouz (Miles Teller), dois “bons garotos” de Miami transformados em traficantes de armas, o diretor vai fundo nas suas referências cinematográficas do gênero, passando por toda a cartilha escrita por Martin Scorsese, Oliver Stone, De Palma e Cia. O resultado é um filme com aura cool, mas consistência de cópia.
O esquema de Diveroli e Packouz, que descobriram como lucrar com as guerras do Afeganistão e do Iraque por meio de contratos com o governo dos EUA, foi narrada por Guy Lawson em um artigo da Rolling Stone. O roteiro de Stephen Chin, Todd Phillips e Jason Smilovic mantém essa estrutura de reportagem e acrescenta algumas passagens fantásticas, como a travessia da dupla pela fronteira iraquiana, focando nos fatos que tornam essa história digna de nota, sem dar tanta atenção para os sentimentos dos personagens que a viveram.
Assim, apesar das boas atuações de Hill e Miller (além de uma participação certeira do produtor Bradley Cooper), a amizade, a ganância e as demais relações de Diveroli e Packouz parecem mecânicas, mero pretexto para exploração sem compromisso da sua transição para a bandidagem. Ao contrário dos cineastas que lhe serviram de inspiração, Phillips não consegue acompanhar a degradação moral dos seus protagonistas, tratando o tema com a mesma profundidade dos seus filmes de bebedeira.
Com uma trilha sonora cativante, que vai de Creedence Clearwater Revival a 50 Cent, Cães de Guerra vale ser visto apenas pela embalagem, que aproveita o lado “divertido” dos conflitos entre os EUA e o Oriente Médio. Phillips cria belas imagens, mantém o timing cômico e sabe trabalhar cenas de ação, mas deixa a sensação de um potencial desperdiçado. Esse podia ser o seu Scarface ou Os Bons Companheiros (1990), mas é só mais um lançamento descartável do verão americano, feito para engrossar os catálogos dos serviços de streaming ao compartilhar tags com clássicos do cinema - "crime", "guerra", "máfia", "drogas", "dinheiro", "armas".